La Hija de un Ladrón (2019)

de Rafael Félix
A-Thiefs-Daughter

A produção espanhola que abre o Olhares do Mediterrâneo 2020, vem de uma caminhada interessante em festivais por esse mundo fora, com algumas nomeações para “Melhor Realizador” para a catalã Belén Funes e até um prémio de “Melhor Atriz” em San Sebastian para Greta Fernández. Ou seja, já chega a Lisboa com algum pedigree, que felizmente, confirma plenamente.

Baseado na curta Funes Sara a la Fuga (2015), também escrito e realizado por Funes, esta sua estreia em longas-metragens segue Sara uma jovem parcialmente surda, a passar de trabalho precário em trabalho precário a tentar sustentar um filho recém-nascido, a viver entre casas sociais, com o pai preso, o irmão mais novo a rebelar-se e com o pai da criança que, embora presente para o filho, a rejeita de todas as formas. Com tudo isto, o filme deixa-nos ver o malabarismo que Sara tem de fazer para sobreviver, uma realidade que pouco ou nada tem de ficção.

Não é descabido traçar aqui uma linha ténue que liga A Thief’s Daughter ao kitchen-sink britânico de Ken Loach, por exemplo. Certamente os temas sociais estão presentes, assim como o tom levemente agridoce das pequenas vitórias da vida, como a primeira comunhão do irmão mais novo de Sara, pontificadas pela leve alfinetada da realidade quase cruel que está inerente a todas esses vislumbres de sucesso. 

E tal como essas personagens dos anos 50 e 60, seguimos alguém a caminhar pela crueldade das circunstâncias de cabeça levantada, não conduzida por um otimismo inabalável, mas apenas pelo facto de saber que se parar, possivelmente não vai dar nem mais um passo. E é assim que a câmara não larga Sara ao longo do filme, tantas vezes atrás dela enquanto ela deambula por ruas e corredores, como se nós próprios estivéssemos a seguir a batuta meia frenética da vida desta jovem catalã, trazida à vida por uma por uma extraordinária performance de Greta Fernández, que leva praticamente os 102 minutos de película com o semblante mais inamovível possível, mas que, com a ajuda realização sensata e sensível de Belén Funes, sabe esperar o timing certo para um puro momento de libertação.

Se o título leva a pensar que a narrativa será sobre uma história de pai e filha, e certamente também o é, é sobre muito mais do que isso. É, isso sim, sobre a obrigatoriedade de crescer demasiado depressa, sobre o estender da mão a qualquer réstia de afeto que esteja ao alcance e ver essa mão ser constantemente rejeitada a cada tento, e a procura de ajuda ou de chances em sítios onde elas não existem. É um filme que reflete sobre o que é estar sozinho quando ainda não se é um adulto, e é um filme que tem atrás da câmara alguém que tem a sensibilidade suficiente para o saber fazer com toda a subtilidade possível. 

Que há gente a trabalhar em condições aqui no nosso vizinho ibérico toda a gente sabe. Mas está aqui um nome que vale a pena seguir no futuro, porque se é este tipo de maturidade que Belén Funes está a mostrar numa fase tão precoce da sua carreira, só podemos imaginar o que o futuro reserva. Cautelosamente otimistas.

4/5
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