O título deste filme é subtilmente enganador porque parece iniciar com uma conclusão. O pai de Hatzin (Hatzin Navarrete), Esteban Leyva, foi encontrado morto numa vala comum, e o jovem fica responsável de recolher a titular caixa com os restos mortais e levá-los para a sua terra natal, nos arredores da Cidade do México. No entanto, quando se preparava para regressar a casa, reconhece um homem na rua que ele acredita ser seu pai – tratando-se assim os restos mortais da caixa, de um outro qualquer desconhecido – mas que o próprio nega, dizendo chamar-se Mario (Hernán Mendoza). Esta confusão, que pode ser fruto de uma mente em negação da realidade ou não, leva Hatzin a trabalhar para o homem, numa tentativa de se manter perto dele, em situação ilegal, sendo arrastado para o centro do tráfico de seres humanos e trabalho escravo junto à fronteira com os Estados Unidos da América.
Realizado por Lorenzo Vigas, após ter ganho com surpresa o grande prémio do Festival de Veneza de 2015 com Desde Allá (2015), La Caja (A Caixa) mantém as premissas de foco social e exploração humana que o preocupam, desta vez centrando-se no trabalho precário e na fragilidade dos “pequenos”, quando interesses económicos maiores se levantam. A ameaça do domínio chinês é aqui usada como mecanismo de pressão sobre uma população desesperada por trabalho e sem outra opção que não seja submeter-se às piores condições laborais e de vida possíveis.
O filme é também sobre família e a sua importância. É a única coisa em quem podemos confiar, o porto de abrigo e a justificação para qualquer sacrifício, segundo as palavras de Mario. A única parente e principal motivação familiar de Hatzin é a sua avó – apenas presente em sussurros ao telefone – até que Mario surge na sua vida. Carente de um amor paterno, vê em Mario o pai que nunca conheceu e no qual põe toda a sua esperança num futuro mais feliz. Mario nega-o veementemente, mas isso não o impede de começar a criar uma ligação muito próxima com o rapaz, e ao perceber que este lhe pode ser útil no seu trabalho, na angariação de trabalhadores para as fábricas da região de Chihuahua, inicia-o na introdução a este mundo de escravidão e enganos.
A ambiguidade moral está omnipresente em ambos os lados, tanto em Mario como em Hatzin, criando no espectador sentimentos contraditórios de onde está o “lado bom”, enquanto os limites morais do jovem são continuamente “esticados”. A segurar o filme está Hatzin Navarrete, em estreia num grande papel e com um talento imenso por explorar, mostrando, no início, a contenção no controlo da emoção perante a perda do pai, para depois libertar toda a tensão acumulada à medida que conhece quem é Mario. É ele o contraponto perfeito para a ambiguidade da história, pois torna um homem de muitas falhas e limitações, numa pessoa amada e querida por quem o rodeia, e tudo isto assenta no carisma de Hernán Mendoza e da sua qualidade como actor.
Lorenzo Vigas é a outra razão para este olhar sobre o México resultar. Por vezes distante da acção, com o intuito de exagerar a pequenez humana perante a imensidão do deserto Mexicano e os segredos que esconde, outras vezes coloca-nos mesmo em cima dos protagonistas para revelar o que Mario e Hatzin querem ocultar a todo o custo.
Na sua segunda longa-metragem, Lorenzo Vigas leva-nos por caminhos bem diferentes do seu primeiro trabalho ao revelar uma realidade macabra do mercado laboral mexicano e de como para o lucro de alguns, muitos outros sofrem. Ancorado na família e nos que ficam para trás, La Caja leva-nos por caminhos de moral dúbia e difíceis de engolir, enquanto nos mostra o “lado escondido” de Mario e Hatzin – espelhos da realidade mexicana atual. No final, a impotência e a impunidade deste sistema injusto sem solução à vista é o sinal inequívoco de que Michel Franco, produtor e colaborador habitual de Vigas nos seus filmes, continua a sua luta para abrir os olhos ao mundo do mal presente no seu país natal.