Façamos um início pessoal pois este filme a isso obriga. Será difícil encontrar um cidadão a habitar em Portugal que tenha atacado mais M. Night Shyamalan pós The Village (2004) do que o crítico presente neste texto. Parte devia-se a imaturidade da qual, parcialmente, me livrei. A outra parte devia-se realmente às tragédias cataclismas que são filmes como Lady in the Water (2006), The Happening (2008) ou The Visit (2015) que nos faziam perguntar se a mesma pessoa que os fez, também tinha feito The Sixth Sense (1999).
Com isto, vem o meu pedido de desculpa. Porque se M. Night fez filmes absolutamente terríveis, também é verdade que foram originalmente terríveis. Falhou imenso, mas, quando o fez, nunca foi por falta de ambição, e esse é um crédito que todos, coletivamente, temos de dar. Financiar pessoalmente os seus filmes durante a última década, porque Hollywood desistiu de lhe dar dinheiro para tratar o seu material original, é uma decisão que mostra muito do amor que o realizador tem pela sua audiência e pelo meio. Portanto, nada me deixou mais feliz do que sair de Knock at the Cabin com a sensação que M. Night, muitos anos depois, tinha triunfado.
Baseado no romance The Cabin at the End of the World, de Paul Tremblay, o 15º filme de M. Night Shyamalan passa-se numa cabana onde, enquanto passavam férias, um casal, Eric (Jonathan Groff) e Andrew (Ben Aldrige), e a sua filha pequena, Wen (Kristen Cui) vêm-se sequestrados por quatro estranhos, orientados, aparentemente, por Leonard (Dave Bautista) e são apresentados com uma escolha: em família, devem decidir qual deles irá morrer. Segundo Leonard, esta é a única maneira de impedir o Apocalipse.
A mudança do título do filme em relação à sua obra original é um infortúnio, pois The Cabin at the End of the World tem uma ligação temática umbilical com o seu conteúdo, mas M. Night, com uma ajuda preciosa da fotografia de Jarin Blaschke – o artista por trás dos filmes de Robert Eggers –, cria imediatamente na sua cena de abertura, duas coisas: um sentimento de isolamento desta cabana que faz lembrar Hansel e Gretel, como se estivesse envolvida numa bolha perdida num mar de verde; e uma tensão que asfixia através da proximidade inquietante da câmara durante o primeiro encontro entre uma receosa Wen e um resignado e derrotado Leonard, que vê a câmara lentamente girar para dentro da sua face cheia de culpa. O realizador de Signs (2002), nunca foi avesso a colocar tensão nos seus thrillers, mas já se passaram anos desde a última vez que o conseguiu fazer de forma tão eficaz, provavelmente porque as personagens que este nos tem apresentado tenham estado para lá de pobres, e um thriller sem interpretes fortes (e bem escritos) é inútil. Entra então Dave Bautista.
A imprensa tem acompanhado com algum interesse estes últimos meses do ator ex-WWE, em que este tem deixado bem claro que, apesar do seu tamanho, quer ser um artista que as pessoas levem a sério e que respeitem. Ao que parece, Bautista não deverá ter de dar muito mais entrevistas com estes chavões, porque bastará que qualquer pessoa veja Knock at the Cabin para perceber que nele não há nada menos que um fantástico e vulnerável intérprete. Junta à sua presença física, uma calma na voz que já tínhamos visto naqueles gloriosos 5 minutos de Blade Runner 2049 (2017), mas que aqui carregam todo um filme, e apesar de estar rodeado de atores competentes o suficiente para dar crença a um filme que, como alguns projetos anteriores de M. Night, rapidamente pode esbarrar numa paródia, é nele que encontramos a pedra de toque de Knock at the Cabin.
A forma faseada com que M. Night vai deixando a informação sair, tanto pelas expressões dos quatro estranhos, como por uma torrente de exposição que, estranhamente, não incomoda tanto como já incomodou noutros momentos, é uma máquina bem oleada que, mesmo quando as alegorias do realizador não são excepcionalmente interessantes ou cheias de nuance, servem perfeitamente o propósito de fazer um filme cheio de entretenimento, tenso, bem atuado e muito bem construído. As peças vão sendo mostradas lentamente, as pistas espalhadas pelo ecrã em formatos de cores ou referências divinas – qual o divino não é particularmente importante –, num filme que no meio de várias referências ultraterrestres, é sobre dar uma oportunidade à humanidade, apesar de ela, raramente, a fazer por merecer. Se é um filme sobre crença, é sobre a crença que a vida, e o planeta, são os bens mais preciosos que temos e que por eles, talvez haja sacrifícios que tenham de ser feitos.
Ainda assim parece-me que os elementos mais profundos de Knock at the Cabin não são os seus pontos mais fortes. O novo filme de M. Night Shyamalan é melhor quando nos oferece um excelente thriller cheio de boas atuações e com um ritmo fluído o suficiente para se manter estimulante até um terceiro ato mais trapalhão mas bem sucedido. Tem também a peculiaridade de ter uma premissa estranhamente assustadora: “e se aquela malta que bate de porta em porta a dizer que o Apocalipse vai chegar, tem razão?”. E no meio de profetas e visões do Fim dos Dias, M. Night completa aqui a sua volta vitoriosa, que começou nas semi-conquistas de Split (2016) e Old (2021) e termina agora no sucesso que é Knock at the Cabin. Parece que todos, ou uma boa parte de nós, ainda temos muito a aprender com uma pessoa que tantas vezes ridicularizámos pela sua ambição e que lentamente, com o seu suor e estranha inocência, nos provou que talvez fossemos nós a olhar mal para a coisa.
Não parece improvável.
1 comentário
Adorei. A crítica e o filme.