“Take your time sweetheart, you sing really good.”
Invadindo o ecrã nos minutos iniciais como uma espécie de Nicolas Winding Refn açoriano, disposto a mergulhar a tela em tons neon até esta afogar e suplicar por ar, como se o próprio Belzebu decidisse ser o nadador salvador desta obra demente, Karaoke Night rapidamente substitui influências visuais de Only God Forgives (2013) pela comédia de horror maníaca encontrada em Bad Taste (1987), numa história sobre um encontro sexualmente violento entre uma mulher, Mia (Rita Borges), a cantar sozinha num bar de karaoke, e um perverso e alcoolizado turista, Pablo (Francisco Afonso Lopes).
Entre Refn e Peter Jackson; entre o mau e o péssimo gosto, este é um dos diversos apelos do intitulado azoresploitation, um termo que define este cinema de género criado nos Açores, que por enquanto é movimentado pelo carismático realizador Francisco Lacerda e pelo bigode majestoso de Francisco Afonso Lopes. É impressionante a forma como este cineasta consegue construir pequenas narrativas inspiradas por outros celebrados criadores e elaborar homenagens que ultrapassam a definição de homenagem. O público pode encontrar inúmeras referências a longas-metragens dementes nestas curtas-metragens, contudo, ninguém consegue retirar as mãos e a mente de Lacerda do resultado final. Esse é o ponto principal que atribui à sua filmografia um charme que ultrapassa o questionável.
A sua capacidade de atirar os seus conceitos visuais para o fundo do poço com intenções de cavar e persistir na sua procura pelo verdadeiro bottom of the well, eleva ironicamente estes imprevisíveis 8 minutos para o formato de um anjo diabólico sangrento a voar com asas de galinha. Ninguém está well em Karaoke Night, uma noite onde o vermelho e o azul se consomem à medida que uma mulher se perde na música, nos seus ritmos, na sua voz e num momento de estrelato oferecido pelo microfone e uma sala de visitantes distraídos. O seu sentido de humor cruelmente divertido é reminiscente dos filmes de exploitation mais obscuros dos anos ’80, roçando o depravado com a quantidade exata de fluxo sanguíneo nos pontos certos e uma insensibilidade silly.
É laborioso permitir que a raiva e a ofensa dominem uma curta-metragem que inclui um close-up, de intensidade semelhante ao The Evil Dead (1981), a um rabo peludo. São momentos absolutamente repulsivos produzidos com um entusiasmo juvenil e consciência dos prazeres artísticos que surgem em banhar nestes fluídos repugnantes cinemáticos, que equivalem moralmente a um cartoon dos Looney Tunes, onde Daffy Duck grita para ninguém: “I love Azores, my ass! F***k this place”.
Karaoke Night é apenas uma de várias curtas-metragens de Lacerda que exige uma sessão da meia-noite preenchida com gargalhadas e suspiros de repúdio e abominação. Os seus filmes nunca suplicam, nem pedem por nada, simplesmente vivem na paixão que a comunidade de horror sempre inseriu nestas produções. Ainda que a canção carregue consigo uma voz deplorável, sente-se completamente o seu gosto em cantar. No cinema, isso é sempre digno de aplausos.