John Wick: Chapter 4 (2023)

de Rúben Faria

Estão na presença do Rei

Para quem não conhece ou se interessa por esta já mítica saga, o mais importante a saber para este novo filme é que é absolutamente necessário ter visto os anteriores para poder sequer perceber o que se passa nesta sequela. Para o bem ou para mal.

John Wick: Chapter 4 é a nova entrada na franchise de ação protagonizada por Keanu Reeves, que revitalizou este género de cinema há quase 9 anos. Neste capítulo, John Wick volta recuperado das feridas sofridas no final da sua aventura anterior, mais preparado que nunca para exercer o seu tipo de vingança e encontrar a liberdade que tanto procura. No entanto, vai ter de enfrentar o inimigo mais poderoso que encontrou até agora e juntar-se a novos e antigos aliados, de modo a derrotar a High Table.

O que trabalha em favor deste filme é o mesmo que trabalha em favor de toda a saga John Wick: a paixão contagiante por cinema de ação e artes marciais e a forma como cumpre uma regra extremamente importante do cinema, saber o que é. John Wick e os seus criadores sempre foram autoconscientes daquilo a que se propunham e não tentavam nada mais, nem sequer pediam desculpas por aquilo que são. Têm mais que fazer do que perder tempo com isso, então focam-se em entregar aquelas que são das melhores acrobacias captadas em câmara. Complementam isso tudo com um world building rico que se alimenta a si próprio, conseguindo, desta forma, estar saudável e interessante mesmo tendo chegado ao quarto filme da franchise.

Dito isto, o produto final de John Wick: Chapter 4 não é tão coeso, coerente e fluido como os seus precedentes. Apesar de merecer louvor pela ambição que tem ao ser o maior filme da saga, tanto em escala como em duração, perde com isso algum do seu foco no meio de tantas e tão boas ideias com que quer brincar ao mesmo tempo. O argumento apoia-se muito em clichés e ferramentas clássicas do cinema de Hollywood, seja em ter um vilão principal ou na sua estrutura da narrativa, e fá-lo bem mais do que os anteriores filmes, não conseguindo mascarar tão bem os seus três atos como eles.

No campo técnico é o que fica mais atrás da franchise toda, o que não quer dizer que é mau. Já toda a gente sabe que este universo de assassinos é caracterizado por luzes e cores vivas e bem contrastadas, tal como é pelo estilo, classe e postura das suas personagens. No entanto, pode-se dizer que este filme exagerou um pouco nesses efeitos todos, principalmente no visual. Existem momentos (e mais que muitos) lindíssimos e de se tirar o chapéu, mas a maioria do tempo pergunta-se o porquê do abuso nas luzes fortes e nas cores saturadas e quase berrantes. Nos anteriores filmes sentia-se um equilíbrio: cenas calmas eram na mesma repletas de beleza visual, com luz mais suave e até naturalista, ou menos saturada, o que nos fazia apreciar melhor as cenas mais extravagantes no meio da ação e dos cenários bombásticos. Em contraste, este novo capítulo cansa mais os nossos olhos ao mergulhar o rosto das personagens em luzes duras e exageradas, mesmo quando estão apenas a conversar. O terceiro filme já sofria um pouco disto, mas o quarto consegue levar isso mais longe.

É um excelente filme de ação porque continua a trazer mais do que já é bom existir: John Wick e o que o mesmo representa para os filmes de ação. Há vários destaques nas sequências de violência estilizada que nos levam à sala de cinema ver este filme, como a coreografia das escadas ou o absoluto caos no Arc de Triomphe. Mas a coroa tem de ir para um plano sequência que consegue ser a cena deste filme que o faz inovar e evoluir o género como todos os seus antecessores fizeram. A genialidade e criatividade da carnificina, bem como da forma de a filmar e de utilizar o espaço a favor do espetáculo, é algo digno de ser venerado.

Em termos de elenco, existe um pouco de tudo. O vilão protagonizado por Bill Skarsgård é bastante cativante, bem como um novo e misterioso assassino interpretado por Shamier Anderson que traz uma energia fresca à franquia, longe do glamour e dos fatos de alta-costura. Mas o destaque vai, sem surpresa nenhuma, para Donnie Yen e a sua incrível personagem que tem tanto de divertido como de interessante e trágico. O ator chinês traz um nível de carisma que encaixa no universo de Wick como uma luva, conseguindo atingir o equilíbrio entre o cómico e o dramático, bem como a intensidade certa nos momentos certos e a profundidade suficiente que faz desta saga interessante. E com interesse ainda mantém-se o protagonista de nome já imensas vezes repetido. O “Baba Yaga”, como é chamado por muitos, é um herói que transmite tudo o que precisa através de mínimas falas e muita fisicalidade, dentro e fora da violência. Keanu Reeves é a pessoa perfeita para isso e, muito provavelmente, a única capaz de manter o interesse e credibilidade da personagem após uma one-liner manhosa e um simples “Yeah” como resposta. Keanu é, de alguma forma, capaz de manter esta personagem estilosa, mortífera e mística, bem como credível e surpreendentemente sentida e emocional. Atrás de cada tiro e esfaqueamento ainda está um marido leal e amável.

Se há algo a retirar daqui é que esta saga é uma contínua história que deve ser apreciada como um todo pelo corpo de arte que é, não só filme a filme. No entanto, como individual, este capítulo é mais do costume, tal como foi o terceiro, onde chega mais tarde que o mesmo a níveis “John Wickanos”. Não é inovador como o primeiro foi, nem sequer com a evolução que o segundo propôs. No entanto, é sempre mais de algo bom que não desilude e que vale sempre a pena comprar bilhete para mais uma aventura no submundo.

4/5
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