Janet Planet (Planeta Janet) começa de forma pungente. A jovem Lacy (Zoe Ziegler), que se encontra num campo de férias, implora para que a sua mãe, Janet (Julianne Nicholson), a venha buscar e o seu pedido, ainda que seja entregue num tom doce, soa urgente e sombrio. “I’m going to kill myself”, ela ameaça. “I said I’m going to kill myself if you don’t come get me“, reforça. A mensagem foi mais do que recebida e Janet aparece na manhã seguinte no campo, mas encontra Lacy com um novo discurso: “I thought nobody liked me, but I was wrong“. A resposta da mãe é um diagnóstico silencioso “this is a bad pattern“. Poucas palavras são trocadas nos primeiros minutos do filme, mas são suficientes para delinear com subtileza a complexa coreografia entre a mãe e a filha: Lacy refugia-se nos braços da mãe com medo de ficar sozinha; Janet põe em causa as suas habilidades maternais, questionando se está a ajudar a filha a crescer ou apenas a ceder ao impulso de proteção.
O título é um prenúncio da centralidade de Janet no universo emocional de Lacy, cuja vida gira em torno da mãe como uma lua que orbita o seu planeta-mãe. Janet é a única referência de amizade, amor e identidade que Lacy conhece, exercendo uma influência massiva na sua visão do mundo.
Em Janet Planet, Annie Baker, vencedora do Prémio Pulitzer em 2013, retrata a vida de uma mãe e filha na zona rural de Massachusetts, nos anos 90. A história é contada através dos olhos de Lacy, de 11 anos, por detrás dos seus óculos de armação de metal, sempre voltados para a mãe. Janet leva uma vida amorosa conturbada, marcada por relacionamentos com homens inadequados, mas Lacy não compreende na totalidade o motivo dessas escolhas. A sua visão, moldada pela tenra idade, também a impede de perceber o porquê de não ter amigos. É um mistério, como ela descreve, mas de fora, a resposta é mais óbvia: Lacy está demasiado absorvida na mãe para se deixar orbitar em torno de qualquer outra pessoa. Ao longo dos meses seguintes, acompanhamos a dinâmica entre as duas, enquanto pessoas entram e saem do universo de Janet, revelando as complexas camadas desta relação e a busca de Lacy, não só por entender a mãe, mas também a si mesma.
As atuações são a espinha dorsal do filme pois, em vez de grandes momentos de exibição dramática, a narrativa assenta numa construção emocional silenciosa. Nicholson equilibra com rigor o conflito interno de Janet: o desejo de proteger Lacy e, ao mesmo tempo, a incapacidade de se libertar dos seus próprios padrões destrutivos. A delicadeza com que transmite o desgaste emocional da personagem torna Janet não apenas numa figura de autoridade, mas também em alguém profundamente humano e falível.
Ziegler brilha ao capturar a vulnerabilidade e o mistério de uma menina que ainda está a tentar perceber o seu lugar no mundo. A sua performance é cheia de nuances, transmitindo a confusão, a saudade e, ao mesmo tempo, a admiração quase excessiva pela mãe. As atuações de Nicholson e Ziegler complementam-se de uma forma doce e, por vezes, dolorosa, transparecendo na perfeição esta relação tão intensa e entrelaçada que, por vezes, dilui quaisquer laivos de individualidade.
Janet Planet destaca-se pela abordagem refinada, na qual os detalhes visuais e auditivos são cuidadosamente orquestrados para intensificar a narrativa emocional. A utilização da iluminação, suave e natural, reflete a simplicidade das suas vidas no campo, mas também ajuda a acentuar os momentos de tensão emocional entre mãe e filha. O trabalho de som é minimalista, tornando a ausência de diálogo (algo recorrente) tão poderosa quanto as palavras ditas. Esta abordagem ajuda a criar um ambiente de introspeção e reflexão, permitindo que o espectador se conecte com as nuances da relação entre Lacy e Janet.
No entanto, é no ritmo lento e contemplativo que o filme, por vezes, se perde. A busca por uma entrega poética e sensível da mensagem acaba por comprometer a fluidez da narrativa, fazendo com que, em alguns momentos, a história doce se torne excessivamente arrastada, mesmo aos olhos de apreciadores deste tipo de abordagem.
Janet Planet é uma obra que, ao explorar a intensa e complexa relação entre mãe e filha, revela a força e a fragilidade de um amor que se confunde e entrelaça. A abordagem delicada e contemplativa de Annie Baker cria uma atmosfera carregada de emoção, na qual a busca por compreensão e conexão se torna tanto a força motriz quanto a prisão das protagonistas.