Esta seria sempre uma história intensamente escrutinada pelos fãs e criticada, sem filtros, devido à ligação emocional com a trilogia original criada por George Lucas e Steven Spielberg. Já Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (2008) tinha sofrido com a mudança no paradigma de estreias com o advento da internet. Não estou a defender o quarto filme da saga – que de longe, é o pior de todo o franchise – com claros problemas no argumento e nos exageros cometidos em certas cenas e personagens, mas a reforçar o papel dos chamados fãs para determinar se é um sucesso incontestável ou um autêntico fracasso. Já não há meio-termo no mundo actual.
É por isso natural este Indiana Jones and the Dial of Destiny comece, desde logo, com um grande handicap. Nunca poderia alcançar ou sequer aproximar-se de algo que já adquiriu um estatuto lendário. Eu próprio considero-me contaminado, pois é impossível separar a nossa história pessoal da relação que estabelecemos com os filmes desta icónica personagem. No meu caso é demasiado pessoal porque Indiana Jones and the Temple of Doom (1984) foi o primeiro filme que vi no cinema com uns impressionáveis 7 anos, numa matiné de domingo totalmente esgotada e em êxtase perante o espetáculo nunca visto. Resultado: Meses de pesadelos recorrentes, mas desperto para a beleza das imagens em movimento onde elas devem ser vistas… na sala de cinema.
Esta nova aventura passa-se no final da década de 60′, com Indiana Jones (Harrison Ford) à beira da reforma, quando surge a sua afilhada Helena (Phoebe Waller-Bridge) com novas informações sobre um artefacto que pode mudar o destino da humanidade. A ideia mais importante de esclarecer deste novo Indiana Jones, antes de qualquer outra, é o de ser bem melhor que o já mencionado Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull (2008). As razões para isso são muitas, mas a mais óbvia é o regresso dos “vilões por natureza”: os Nazis. Mads Mikkelsen, no papel de Dr. Voller, é o arquétipo do vilão perfeito e grita Indiana Jones pelos poros, enquanto Boyd Holbrook, no papel de Klaber, apesar de menos memorável, contribuí para esse sentimento de uma decisão correcta no casting.
Impossível não falar dos efeitos especiais, ainda mais quando foi utilizada a técnica de de-aging para levar Harrison Ford, e não só, para o passado. E as notícias são boas, pois apesar de não atingir o brilhantismo dos efeitos de Avatar: The Way of Water (2022), está pelo menos bem longe do CGI horrendo do recente Flash (2023). No geral, quando opta pelo uso de duplos, o realismo e a intensidade das cenas de acção são deveras impressionantes. Desde uma excelente perseguição a cavalo pelas ruas de Nova Iorque, até a uma épica perseguição de Tuk-tuk pelas ruas de Tânger, são inúmeras as cenas de pés bem assentes na terra mas também na água e no ar estão presentes momentos relevantes do argumento, não deixando tempo para o espectador respirar. Por vezes pedia-se um pouco de contenção, e mesmo a presença da música icónica de John Williams acaba por deixar os ouvidos a pedir descanso em determinadas situações. Quando o silêncio finalmente acontece, dá-nos um dos presentes mais bonitos do filme e o seu momento mais emocional, trazendo à memória o sentimento de deslumbramento tido em criança a ver as aventuras deste professor de arqueologia.
A nostalgia é também um factor importante para o sucesso deste inspirado regresso de Indiana Jones, com os cameos habituais, desde Salah (John Rhys-Davies), Marion (Karen Allen), as referências a um artefacto histórico de grande importância, o eterno medo de cobras ou os mecanismos complexos e armadilhas nos locais onde se encontra o macguffin da história. Tudo está lá e desperta no espectador uma sensação de familiaridade com Indiana Jones, cumprindo a lista de itens necessários para o tornar um verdadeiro filme da saga.
Phoebe Waller-Bridge, agarra o seu espaço e cria uma personagem vital no desenrolar da história. O background e timing cómico da sua Helena, ajuda nas gargalhadas mais sonoras do argumento e na química entre ela e Harrison Ford. Não tão feliz é a tentativa de incluir um sidekick chamado Teddy (Ethann Isidore), provando que nem todos os que querem ser como Ke Huy Quan o conseguem fazer. Referência final para Harrison Ford, de regresso ao papel que o define, sem medo de mostrar a idade e as limitações da personagem numa nova década. O charme e o carisma, continuam intocáveis e confirmam Harrison Ford como o único Indiana Jones a fazer sentido (chega de sequelas, deixem o homem descansar!).
Harrison Ford encarna Indiana Jones pela quinta vez – e esperemos que seja a última – e dá à sua personagem mais icónica o adeus merecido depois da desilusão da última aventura. Nunca poderá almejar ser o que a trilogia inicial foi, mas cumpre ao dar aos fãs tudo o que é esperado e ainda entrega a essência do que o tornou único na sua criação: comédia, aventura e acção na exata proporção.