Entrei cedo na sala. Praticamente vazia. Estava praticamente na última fila – fila U para ser mais preciso. Aos poucos a sala foi enchendo. O que ao início parecia um ambiente vazio tornou-se num poço de emoções. Risos, conversas a alta voz.: “Estamos aqui! Venham!”. Grandes grupos entravam em procissão, como a caminho de algo transcendental. Parecia o local para se estar. O ambiente era animado. Atrás de mim ouço “nuestros hermanos” a discutir sobre terror. E de repente falam o que sabem sobre o filme. Muito pouco. Estamos no mesmo barco, às escuras. De repente as luzes apagam e a tensão cresce. A sala está pronta a receber Ben Wheathley.
Um vírus mortal invadiu o mundo e existe uma busca frenética por uma cura. Martin (Joel Fry) é um cientista enviado a uma estação de investigação localizada numa floresta perto de Bristol. Dirigida pela Drª Olivia Wendle (Hayley Squires), Martin está numa missão: a de curar o mundo de uma doença que lhes tirou tudo. A sua escolta para o local é Alma (Ellora Torchia), guarda florestal e boa conhecedora do terreno. Mas a floresta e os seus habitantes guardam muitas surpresas.
In the Earth é claramente um filme da pandemia, mas apenas no início temos alguns sinais da presença de um vírus mortal. Quando entram na floresta esse vírus passa a figurante. Nunca mais é referido, ou o é apenas de passagem. A pandemia está presente doutra forma: no argumento caótico a levar-nos por caminhos muito diferentes. Filho da pandemia portanto. Todos nos lembramos do confinamento total em casa em que milhões de coisas nos atravessam a mente. Os nossos medos, dúvidas escalam a cada dia de isolamento. Todas as nossas referências misturam-se num emaranhado. No caso de Wheathley, temos elementos de folclore, ficção científica, investigação, thriller, terror, criaturas míticas, natureza, fotografia e até comédia. Acaba por estar em todo o lado, mas sem conseguir criar raízes em nenhum. Perdido na sua mente, Wheathley ainda consegue misturar elementos muito específicos como uma deusa da floresta, mas que passa a personagem secundária num piscar de olhos. Faltou a capacidade de filtrar o essencial, aquilo que pretendia mostrar com o filme.
Nem tudo é mau no entanto. Gosto da tentativa de comunicação com a natureza – vivemos num mundo que a esqueceu. E a resposta ao vírus está lá, é só preciso ouvi-la. E aí entra o design de som do filme. O trabalho de som e banda sonora são geniais e roçam a perfeição. O filme estava a tornar-se aborrecido a certo momento. Aquele terrível momento que os olhos fecham e a cabeça cai. E então o som ligou. Despertou os sentidos e a atenção é total. A conjugação com os efeitos visuais cria uma atmosfera trippy, de volta aos anos ’60 e ao consumo de ácidos. Mesmo sem eles, senti a pressão destas cenas. Conseguiu criar um ambiente único, de uma aparente comunhão entre o homem e a natureza.
Em jeito de conclusão, temos um filme em busca da resposta a muitas questões mas que não responde a nenhuma. No fundo, o que Wheathley queria. Está em modo diversão e a revisitar os temas que o fascinam. Não é claramente um filme para mim. Mas vejo que possa ser um incentivo a novos realizadores ou criadores de arte. Nem todos têm a possibilidade ou liberdade para mostrar o que querem ou quem são. Ganhar essa liberdade é essencial na verdadeira criação artística. E a coragem para o mostrar ao mundo. Caótico, mas sempre original. Venha o próximo Sr. Wheathley. Ficamos à espera.
2 comentários
Muito obrigado. Aconselho vivamente apesar das 2 estrelas e meia. COnfuso mas necessita de ser experienciado pessoalmente
Adorei a crítica! Vou ver o movie, mas também não me parece ser o meu género. No entanto, está muito bem definido e escrito o que podemos esperar deste filme. Muito bom mesmo.