If I Had Legs I’d Kick You (2025)

de Rafael Félix

Estamos cada vez mais ansiosos. Mais sobrecarregados. Então, é de todas as formas natural que o cinema também o esteja. E o que é mais stressante que a maternidade? Opinião, a bom abono da verdade, estabelecida indiretamente, pela experiência de ser filho, de ver outros a ser filhos, e pelas mães que venho a ver nos meus ecrãs há mais de 20 anos. Algo que tem sido trazido para a frente com mais intensidade nos últimos 10 ou 15 anos tem sido o lado menos romântico de ser mãe. Aquele das dúvidas constantes, das questões existenciais, do pânico e da solidão intensificada por um profundo desequilíbrio da distribuição emocional das responsabilidades da paternidade entre os dois integrantes (se olharmos, como este filme faz, para uma relação heterossexual).

Ansiedade. Ansiedade. Ansiedade. Linda (Rose Byrne) é psicóloga e mãe de uma menina portadora de uma doença não especificada, mas que requer um tubo ligado à barriga e que seja constantemente alimentada via máquina com um estranho líquido proteico. Está neste momento num processo de ganho de peso, de forma a conseguir retirar o tubo e livrar-se das máquinas que a tornaram escrava de uma vida de mil cuidados, sustentados impreterivelmente por Linda, enquanto o marido está ausente em trabalho. Quando se abre um buraco no teto da sua casa e obriga as duas a viver temporariamente num motel, a vida desta mulher, já de si caótica, ganha dimensões apocalípticas.

Nos dias que correm, a referência para o cinema ataque de pânico é Uncut Gems (2020) e sendo que um dos produtores de If I Had Legs I’d Kick You é Josh Safdie, torna-se quase obrigatória a referência. Filmado por Christopher Messina, que já havia trabalhado como operador de câmara com os Safdies, quase sempre numa close-up tão próxima que a câmara praticamente toca na face desesperada de Rose Byrne, o segundo filme de Mary Bronstein, não deixa qualquer espaço para oxigénio, tal e qual como Linda não tem.

A ironia de Linda, uma psicóloga, não conseguir lidar com as suas emoções não é facto para ser ignorado, todavia, seria estranho que alguém com a vida neste estado conseguisse controlar o que quer que seja. Equilibrar uma carreira, um casamento, uma vida doméstica e uma filha com necessidades especiais é impraticável, principalmente quando o teu marido liga a pôr em causa o teu trabalho como mãe, o empreiteiro responsável por arranjar o buraco no teto desaparece, o teu terapeuta odeia-te (numa performance surpreendente de Conan O’Brien), o teu vizinho no motel ganha uma estranha obsessão por ti (noutra performance surpreendente mas desta vez de A$AP Rocky) e a tua filha é uma voz que enche o ecrã com exigência atrás de exigência atrás de exigência. If I Had Legs I’d Kick You apresenta as impossibilidades da vida de mãe, o inevitável falhanço perante o que é esperado destas: um controlo sobre-humano sobre as suas emoções e uma capacidade irrealista de conseguir lidar com toda e qualquer crise.

Bronstein, que serve como nova prova que para uma mulher conseguir realizar o seu segundo filme precisa de pelo menos 10 anos, faz escolhas interessantíssimas e que ajudam a demarcar este filme de outros que temos visto nos últimos anos como The Babadook (2014), Tully (2018) ou pelo menos outros dois filmes presentes na Berlinale onde o filme compete. Mary Bronstein não dá corpo nem nome à filha de Linda. Torna-a uma voz doce e empática, trazida por Delaney Quinn, que controla de tal forma a vida da sua mãe que por vezes pode parecer quase uma assombração que exige mais e mais do espírito da sua mãe. If I had Legs I’d Kick You não é um filme de terror e esta criança não é um monstro, é apenas uma criança como qualquer outra, que quer uma vida normal e a atenção da mãe, que com toda a exasperação que pode mostrar, a ama profundamente. Só que o caos da vida de Linda, trazida à vida por uma derrotada Rose Byrne, é tanto que qualquer inconveniência parece ter a capacidade de destruir todo o Universo, seja ele os pedidos da filha por um hamster ou o facto de não arranjar estacionamento junto ao hospital.

Ver a vida de Linda mergulhar em espiral é desesperante e de cortar a respiração, por vezes literalmente quando o design de som e a inconveniente proximidade das imagens de If I Had Legs I’d Kick You cerca-nos à força na sua miséria. É, principalmente, um retrato das expectativas frustradas sobre o que é criar uma criança e a oferta de um quadro que – com todas as suas sequências de abstracionismo alimentado por substâncias aditivas – é mais realista e empático que um sem número de filmes já feitos sobre o que é ser mãe. Mary Bronstein e Rose Byrne trazem um filme que, com toda a sua claustrofobia, pretende simplesmente pacificar o espírito dos pais que se encontrem em frente ao ecrã, dizendo “é demasiado e é difícil, nós sabemos, não estás só”. É o cinema como a tal máquina de gerar empatia da qual Roger Ebert falava, a trabalhar em todo o seu esplendor.

3.5/5
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