IF (2024)

de Pedro Ginja

Penso ser seguro afirmar que quase ninguém que está a ler esta crítica se lembra de ter tido um amigo imaginário enquanto criança. Mas quantos de nós não vimos já uma criança, aparentemente sozinha, a falar e a agir como se estivesse acompanhada? Esta é, na verdade, uma situação muito comum durante a infância e surge, geralmente, como mecanismo de protecção, durante momentos de stress e ansiedade, ou como maneira de lidar com a solidão e o abandono. Apesar de motivo de preocupação para os pais, não é, segundo estudos, um problema grave mas sim um indicador da criatividade e aptidão para as artes.

Esta ideia surgiu ao seu criador, John Krasinski, há mais de sete anos e com ela havia o desejo de fazer um filme infantil unindo o melhor de dois mundos: o do cinema de imagem real e o de animação. Em IF somos introduzidos, e bem, neste mundo através do olhar de Bea, interpretada por Cailey Fleming, que no pequeno ecrã de uma antiga camcorder recorda momentos felizes da sua infância através de vídeos caseiros. É por isso natural que o argumento de John Krasinski explore a ideia de que com o crescimento, possamos perder memórias e momentos importantes da nossa vida. A ênfase de IF recai sobre Bea, a tentar manter-se à tona de uma família despedaçada, após a morte da mãe e a doença súbita do pai, enquanto navega a entrada na adolescência e a mudança para uma nova cidade, Nova Iorque. A esta trama principal junta-se uma infinidade de amigos imaginários, também eles com a sua própria crise familiar, que tentam encontrar um propósito para a sua vida, pós-abandono involuntário das suas crianças. 

Estas duas histórias tão distintas nunca parecem colar e o equilíbrio narrativo sofre, e muito, com essa situação. As ideias parecem estar no sítio certo, mas há uma desconexão na maneira pouco natural com que são apresentadas ao espectador. Por um lado, o lado dramático é mantido simples e emotivo com destaque em Cailey Fleming, no seu primeiro papel principal, enquanto o lado cómico recai sobre Ryan Reynolds, mais sério que o habitual, mas sempre eficaz a ser ele próprio, e finalmente, Fiona Shaw a segurar o barco com a sua experiência e talento, mas a sensação de que algo não funciona nunca desaparece.

Um dos problemas de IF é precisamente a personagem de John Krasinski, pai de Bea, cuja aparente doença nunca parece real, questionando-se a sua necessidade e relevância na história. A escolha do actor/realizador/argumentista de relativizar a sua dor e sofrimento com comédia, também não ajuda. Outro aspecto que fica aquém do esperado é o pouco tempo dedicado a cada um dos amigos imaginários, configurando-se como meros cameos quando deveriam ser melhor aproveitados pois proporcionam, em grande parte, os melhores momentos do filme. Seja através do design imaginativo e distinto de cada um deles, ou até do talento vocal presente, um dos melhores na animação nos últimos tempos, com destaques óbvios para Steve Carell , Richard Jenkins e a inesquecível personagem de Christopher Meloni de nome Cosmo. O excelente trabalho de design estende-se para a cenografia e para tantos momentos inspirados de interacção entre a imagem real e a animação e que, infelizmente, continuam a ser uma raridade no cinema actual. A esta união belíssima dos dois mundos não é alheio o talento do director de fotografia Janusz Kaminski, recrutado das garras de Spielberg para dar uma identidade visual única e apelativa, e a banda sonora de Michael Giacchino emocional e manipuladora de emoções como ninguém, mas que peca por excessiva em determinados momentos. Nada contra uma boa manipulação emocional, mas em IF parece forçada e indicadora de um receio em acreditar de que apenas a força das palavras seria suficiente. Perto do final, que nunca deixa de ser menos do que previsível, o twist anunciado é ainda explicado desnecessariamente, retirando força e impacto emocional de um momento que devia ser de libertação de emoções.

Apesar de tentar invocar o espírito Pixar, IFde John Krasinski nunca se consegue aproximar da complexidade emocional dos melhores filmes do estúdio, mas não deixa de ser entretenimento familiar garantido para todos, miúdos e graúdos. E numa indústria cada vez mais refém da reciclagem e reaproveitamento de franchises de lucro garantido, algo tão único e imaginativo é sempre digno de louvar. Pena essa ânsia do argumento em ter a papinha toda feita para o seu público-alvo e se esquecer de abraçar a verdadeira essência de ser criança, o maravilhoso e caótico mundo de constantes descobertas e surpresas.

2.5/5
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