Hurry Up Tomorrow (2025)

de Francisca Tinoco

Abel Tesfaye, conhecido pelo seu cognome artístico The Weeknd, juntou-se ao realizador de It Comes At Night (2017) e Waves (2019), Trey Edward Shults, para desenvolver uma longa-metragem suis generis que partilha o título com o sexto álbum do artista, Hurry Up Tomorrow.

Filme e álbum são, na verdade, indissociáveis. A criação de um influenciou a criação de outro, ainda que seja difícil traçar um progresso linear. Tesfaye confirmou à Billboard que a ideia para o filme nasceu primeiro, com o álbum a desenvolver-se de forma orgânica posteriormente durante a produção da banda sonora. Várias das canções que a integram acabariam também por fazer parte do disco, incluindo a homónima “Hurry Up Tomorrow” na qual se ancora o principal conflito emocional do filme. Posto isto, é fácil concluir que algumas músicas já existiam, pelo menos na sua fase embrionária, antes da produção do filme. Ou seja, não faz sentido falarmos de um filme baseado num álbum ou vice-versa — os dois são paralelos, sobrepostos, totalmente interconectados.

Este preâmbulo é importante para perceber o contexto em que surge o filme. Contexto esse que, por sua vez, justifica parcialmente a difícil acessibilidade do mesmo para o público geral. Trata-se de um filme tão excessivamente referencial que não consegue sobreviver por si só. Sem qualquer conhecimento sobre a persona pública de The Weeknd, a vida privada de Tesfaye, a sua obra até à data, e o conjunto das suas influências, Hurry Up Tomorrow resume-se a uma sucessão de imagens hiper-estilizadas e truques de edição, vazio de substância e sofisticação.

Tesfaye interpreta uma versão ficcionalizada de si mesmo — um cantor à beira de um ataque de nervos graças ao fim de uma relação e ao esforço físico de uma digressão mundial. Ao seu lado, sempre pronto para o relembrar do seu poder e magnificência e lhe facultar todos os pozinhos mágicos e elixires que ele possa desejar, está o seu manager pessoal Lee (Barry Keoghan). A dinâmica dos dois é a mesma que já vimos vezes sem conta em histórias, fictícias ou biográficas, sobre os grandes astros da cultura pop — são o único verdadeiro amigo um do outro, mas quando a situação aperta, um será sempre o chefe e ganha-pão do outro. Isto, claro, gera questões sobre a natureza da relação e do afeto que partilham, mas Hurry Up Tomorrow não oferece reflexões ou respostas novas ou particularmente estimulantes. Aliás, o mesmo se pode dizer da forma geral como enquadra esta vida de mais um artista torturado que precisa de drogas duras para lidar com todo o sucesso, adoração e dinheiro que o rodeiam. Na verdade, Hurry Up Tomorrow peca também por surgir num momento em que já ninguém tem paciência para os caprichos e pitty parties da elite hollywoodiana. Torna-se difícil sentir seja o que for quando vemos The Weeknd perder a cabeça ou desmanchar-se em lágrimas porque se sente sozinho e alienado pela sua condição (e não é só porque Tesfaye é realmente fraquinho a representar). Já vimos esta história antes, já sabemos como acaba, e, numa altura em que há temas tão mais importantes aos quais dedicar a nossa energia, resta pouco espaço para celebridades deprimidas.

Também não ajuda que o filme pareça ser motivado por um egocentrismo enjoativo que vai para além do facto de Tesfaye fazer de si mesmo num filme de que é protagonista. Acontece que as poucas personagens que populam o resto da narrativa existem puramente para o servir. As tentativas de lhes conceder alguma complexidade acabam negadas pelo sofrimento e vitimização constantes do personagem principal. Aliás, uma das possíveis interpretações de Hurry Up Tomorrow é de que Ani (Jenna Ortega), uma super fã com quem The Weeknd se cruza ao fugir de um concerto falhado e com quem acaba por se envolver intimamente, é apenas uma versão do protagonista. O filme deixa várias pistas de que Ani não passa de uma projeção psicótica do artista com a função de o levar à rotura e, por conseguinte, à libertação emocional e redenção.

Esta componente psicológica dá a Shults e ao diretor de fotografia, Chayse Irvin, a oportunidade de exibirem os seus talentos cinemáticos, exteriorizando os pensamentos, neuras e sentimentos das personagens em planos, sequências e composições psicadélicas, impressionistas e surrealistas. Ainda assim, o recurso excessivo a este tipo de dispositivos, aliado a um ritmo enferrujado e inconstante, remete mais para um videoclipe musical (daqueles longos em que a música vai começando e parando de forma algo irritante) do que propriamente para um filme narrativo. E isto leva-me, de volta, ao meu primeiro ponto.

Hurry Up Tomorrow é um bom, e, até, quiçá, ótimo vídeo complementar do projeto musical de The Weeknd, que teria funcionado bem melhor lançado no YouTube do que numa sala de cinema. Com o lançamento cada vez mais frequente de projetos especiais de artistas musicais na grande tela, diluem-se os limites entre filme narrativo e outros tipos de projetos artísticos. Este filme é um exemplo marcado desse fenómeno. Um bom videoclipe não se rege pelos parâmetros de um bom filme. Aquele egocentrismo de que falávamos há pouco faz todo o sentido num veículo promocional para um álbum altamente pessoal. Mas o (bom) cinema não se compromete só com os devaneios de um criador. É, por norma, um esforço bem mais coletivo cuja principal obrigação se prende com o storytelling, tomando ele a forma que tomar. Há pouco disso em Hurry Up Tomorrow. Mas a música é bacana.

 

2/5
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