Filmes que retratam a dinâmica de um núcleo familiar costumam ser terreno fértil para conflitos que atravessam gerações, classes, géneros e crenças. How to Make Millions Before Grandma Dies segue essa linha ao escolher o retrato íntimo de uma avó e do seu neto como centro da narrativa. O arquétipo é conhecido: personagens de uma mesma família, com personalidades e valores distintos, vão-se aproximando gradualmente, criando laços ou reabrindo antigas feridas. É também um filme sobre cancro, sobre pessoas diferentes que acabam por formar um vínculo afectivo improvável e, especialmente, sobre a forma como lidamos com a morte.
M (Putthipong “Billkin” Assaratanakul) é o típico jovem desinteressado. Abandonou a universidade, passa os dias a jogar Dead by Daylight e vive à procura de formas de ganhar dinheiro, sem esforço. Afectivamente distante da sua família, parece incapaz de se importar com algo para além das suas próprias vontades. A sua relação com a avó Mengju (Usha “Taew” Seamkhum) é praticamente inexistente, até ao momento em que chega a notícia de um cancro terminal – com um prognóstico de apenas um ano de vida. A partir daí, M vê uma oportunidade: aproximar-se da sua avó, não por carinho mas por interesse, com o objectivo de herdar os seus bens e, assim, alcançar a vida confortável que deseja.
Durante uma boa parte do filme, continuamos a ver M como uma serpente em redor da sua avó – não uma criatura que ataca com presas ou veneno, mas que a engole lentamente, com cálculo e contenção. Cada gesto de ternura surge acompanhado pelas engrenagens do seu pensamento estratégico, sempre a funcionar para garantir que Mengju confie mais nele do que nos restantes familiares. E alguns desses familiares, aliás, revelam-se serpentes da mesma espécie, com estratégias semelhantes para se aproximarem da idosa nos seus últimos dias. É neste jogo de aparências, interesse e afecto real que o filme constrói grande parte da sua força dramática.
A convivência forçada entre M e Mengju, no entanto, não passa sem consequências. A transformação do protagonista é subtil, mas perceptível. Ao longo do filme, depara-se com o contraste entre o seu comportamento e o de outras pessoas que estão ali por amor e respeito – pessoas que querem retribuir os cuidados que Mengju lhes deu em momentos de fragilidade. Essa comparação impõe uma reflexão inevitável, tanto para ele como para quem assiste. Uma das mais sensíveis e dolorosas envolve o papel da mulher na sociedade: aquela que cuida de todos à sua volta, que abdica, que serve, mas que, no fim da vida, é rodeada apenas por interesses materiais.
O filme tem vários trunfos, mas três merecem destaque. O primeiro é a interpretação de Taew, que consegue conjugar a fragilidade da idade e da doença terminal com um sentido de firmeza, honestidade e carinho. Cada expressão, cada gesto, carrega as marcas de uma vida longa, feita de trabalho, silêncio e perdas. O segundo é a realização de Pat Boonnitipat que, apesar de ser ainda um cineasta jovem – nos seus trinta e poucos anos – e estar a estrear-se em longas-metragens após uma carreira em séries de televisão, demonstra segurança e sensibilidade ao conduzir uma história que facilmente poderia cair em armadilhas melodramáticas. Aqui, o que se vê é mais realidade do que ficção.
E o terceiro, igualmente importante, é o trabalho de Sarinrat “Jear” Thomas, no papel da mãe de M e filha de Mengju. Em poucas cenas, transmite dor, preocupação e exaustão. A sua presença, sempre discreta, carrega uma intensidade comovente, revelando o quanto foi deixada de lado, mesmo tendo estado sempre presente para todos.
How to Make Millions Before Grandma Dies é um filme que parte de uma ideia simples, usa uma estrutura familiar mas, ainda assim, encontra espaço para aprofundar a sua história nos detalhes. Em vez de fugir ao melodrama, assume os seus contornos emocionais com alguma contenção. E mesmo quando se percebe o caminho que a narrativa irá seguir, há algo de sincero na forma como tudo se concretiza.
