Uma desilusão extravagante
Com dois trabalhos de grande escala lançados este ano, gostaria de estar aqui a dizer que estamos perante o regresso à boa forma de um dos mais icónicos realizadores das grandes produções de Hollywood. Infelizmente, Ridley Scott fica muito aquém das expectativas, pelo menos nesta sua obra.
House of Gucci conta a infame história da família Gucci, nome possante no mundo da moda e conhecida tanto pela alta qualidade do seu produto, como pela alta qualidade dos seus dramas e controvérsias. O enredo centra-se em Patrizia Reggiani (Lady Gaga), jovem de origens humildes, que acaba por conhecer e casar-se com Maurizio Gucci (Adam Driver), iniciando uma guerra no interior da família, tudo num jogo de poder e dinheiro.
Baseando-se numa premissa da vida real, que por si só já tem drama suficiente para fazer as ficções corarem de vergonha, era de esperar que fosse transformado numa entusiasmante montanha-russa de intrigas e emoções da grande tela, mas infelizmente um argumento fraco é o primeiro tiro no pé que este projeto dá a si mesmo. No campo dos diálogos, tem um aspeto muito genérico e desinspirado, mantendo as típicas falas e respostas mais básicas dos filmes de intrigas e dramas familiares. Porém a maior ofensa deste guião vem na forma da sua estrutura narrativa. Apresenta-nos acontecimentos-chave que marcaram a novela que foi esta família, mas pouco mais se esforçam para tentar um olhar introspetivo a estas pessoas de modo a nos conectar emocionalmente, ficando-se apenas pelo avanço mecânico do enredo. Certos problemas e obstáculos são impostos às personagens, mas logo de seguida aparecem resolvidos e esquecidos, como se de nada se tratassem cinco minutos antes. Em algumas situações, personagens tomam decisões e alteram alguns motivos sem o espectador ter nenhum contexto ou resolução para os mesmos. Existe uma enorme sensação de receber informação pelo simples facto de informação recebida, o que nos leva a querer que mais vale ter visto um documentário sobre toda esta história.
A nada disto ajuda o facto da montagem parecer uma espécie de guia de um museu que nos quer mostrar todo o conteúdo o mais rapidamente possível, sem qualquer sensibilidade ou apreço pela emoção desse mesmo conteúdo. Mudanças abruptas de cena são feitas mesmo quando queremos assimilar e conectar informação que nos foi dada ou até interiorizar o sentimento de alguma personagem, sem aquela sensação de que este sufoco nos foi incutido com um propósito. No entanto, os campos da direção de arte, como o guarda-roupa, cenários e afins, estão minimamente a par da mistura de extravagância e intriga que toda esta premissa exigia, conseguindo incutir o ambiente das várias épocas do mundo da moda.
Infelizmente, a grande desilusão materializa-se no elenco. De longe a maior das atrações para este filme, nomes como Lady Gaga, Adam Driver, Jeremy Irons, Jared Leto e Al Pacino, acabam por tornar as suas estadias não muito agradáveis. Todas as interpretações gritam pela atenção dos Óscares (especialmente a de Jared Leto), mas é incrível como um elenco tão variado e talentoso acaba por apresentar caricaturas tão over-the-top, sem que o filme seja autoconsciente o suficiente para funcionarem. Não é atingido um equilíbrio entre o drama que o filme tenta atingir e as representações demasiado exageradas que vemos à nossa frente. Quando Al Pacino é um dos mais contidos no filme, algo não está propriamente normal. No meio de todo este acting espalhafatoso, os sotaques tornam-se o brilharete mais irritante de todos, roçando o horrível. Era de muito melhor gosto terem trabalhado com atores de origem italiana a falar inglês do que este esforço quase ridículo do estrelato de Hollywood.
A sensação com que ficamos depois de ver um filme com tanto talento em frente e atrás das câmaras, bem com uma premissa interessante e dinheiro para a levantar do chão, é que Ridley Scott tenha sido “obrigado” a fazê-lo, talvez por razões contratuais. Pode ser uma desculpa para defender o realizador, pode até nem ser a razão para a falta de qualidade neste trabalho, mas a verdade é que é sempre desapontante ver um cineasta deste calibre, com todas as armas à sua disposição, entregar-nos algo tão pobre e desinspirado.