O western já está em vias de extinção há bastante tempo. Várias datas foram apontadas mas a mais correcta tem de estar associada à morte de John Ford, ainda e sempre a referência no género. Desde os seus contemporâneos como Hawks, Mann, Daves e Sturges, que partilharam a era de ouro do western, nas décadas subjacentes à sua morte continuaram a surgir nomes associados ao género como Leone, Peckinpah e Eastwood. E quando parecia que era o fim surgia sempre alguém a explorar as suas temáticas e os grandes espaços abertos americanos como os irmãos Coen, Dominik, Mangold ou mesmo Tarantino. Em comum o facto de terem feito grandes filmes no género mas onde não se vê a crença inabalável demonstrada por essa geração de ouro de Hollywood, e que Ford representava na perfeição.
O único arauto aparenta ser Kevin Costner, sempre associado ao género como actor, em diversos projectos tanto na TV como no cinema, mas é como realizador que o parece defender com unhas e dentes. Foi há mais de 20 anos que realizou o seu último projecto, Open Range (2003), mas é com Dances with Wolves (1990) que é normalmente associado e com o qual venceu os principais prémios da Academia. Esta história de Horizon: An American Saga já acompanha Costner desde 1988, altura em que começou a considerar uma saga ambiciosa sobre a conquista do oeste americano. Uma história que acompanha as diferentes “sortes” de um grande número de colonos, homens e mulheres de todos os cantos do mundo, em busca de uma vida melhor. Kevin Costner percebeu, pela sua magnitude, que tal só seria possível com uma série de quatro filmes.
Esse excesso de ambição acaba por ser o maior problema que esta primeira parte da saga enfrenta. Desde cedo se percebe a quantidade enorme de personagens pelas quais o argumento tem de dividir o seu tempo e mesmo com 3h de duração é impossível dar a atenção que cada uma merece. Nesta primeira parte é notória a intenção de mostrar o caos, violência e a arbitrariedade da vida no faroeste americano. Um local onde a lei e a ordem é ditada pela força das armas e na qual cada um está por si, com pouco espaço para o perdão e ainda menos para a compaixão. Nesta primeira parte somos confrontados com a animosidade entre colonos e os nativos americanos, invasores contra invadidos, e em que parece demonizar os nativos que apenas defendiam a sua terra. Esta aparente noção de um lado do bem e outro do mal foi uma das principais críticas negativas contra o filme mas o avançar da história permite ver massacres similares perpetrados pelos colonos. Onde a narrativa realmente falha é na falta de equilíbrio entre as personagens, pois enquanto no lado dos colonos conseguimos distinguir histórias paralelas, interações e relações (mesmo que superficiais) entre elas o mesmo não se passa do lado dos nativos americanos. De uma primeira hora em que são meros veículos de raiva e violência até ao final onde os conhecemos apenas através de monólogos expositivos, e desprovidos de emoção, entre os que anseiam pela paz (o venerável chefe índio) e os que procuram a vingança (o impetuoso filho do chefe) ou pelos habituais chavões de ecologia e o respeito pela terra. Poderia e devia ter feito mais o argumento neste capítulo, reduzindo os emigrantes e os nativos americanos a meros figurantes numa terra que também foi feita com o seu sangue, suor e lágrimas. Mesmo os que surgem mais tempo no ecrã como Sienna Miller, Sam Worthington, Abbey Lee ou o próprio Kevin Costner surgem alternadamente em diálogos episódicos e nos quais muitas vezes se perde o sentido de continuidade da história. Num momento chora-se a perda de um ente querido e no seguinte a vida continua como nada se tivesse passado fazendo-nos crer que esta saga teria sido mais indicada para fazer parte, como série de TV, do catálogo de uma plataforma de streaming onde o tempo dispendido em criar estas ligações não seria um problema.
A nível visual existem vislumbres de grandeza reminiscentes dos grandes westerns do passado com claras influências da trilogia da cavalaria de John Ford (1948-1950), no ênfase dado e no tom de certas cenas do exército comandado pelo capitão Gephart (Sam Worthington) e mesmo com planos decalcados do épico The Searchers (1956) nos diálogos dentro do próprio forte. As escolhas feitas durante a emboscada da tribo Apache, a abrir o filme, são impressionantes pois exacerbam a visceralidade e intensidade da situação mas após as quais o filme nunca mais consegue recuperar em termos de impacto no espectador. A belíssima paisagem americana das grandes planícies é outro dos destaques e fica sempre bem na fotografia, usando e abusando da luz do fim do dia para pintar autênticos quadros, que relembram os antigos horizontes pintados a mate durante os tempos áureos do western americano. Infelizmente este sentimento de deslumbre visual é impossível de sustentar quando as opções de movimentos de câmara ou de escolhas de luz começam, muitas vezes, a aproximar-se do horizonte televisivo do qual se pretendia afastar mas que acaba por abraçar constantemente. Como diria John Ford “When the horizon is at the bottom, it’s interesting. When the horizon is at the top, it’s interesting. When the horizon is in the middle it’s boring as shit”.
Quem mantêm o barco sempre assente no horizonte cinematográfico certo é outro John, de nome Debney, o autor da banda sonora que nunca deixa de ser memorável. Desde o tema central emocional que respira cinema em cada tempo e nota até aos pequenos detalhes instrumentais, muitos deles usando instrumentos nativos, dando uma personalidade inegável à composição. Como qualquer boa banda sonora sentimo-nos manipulados, no bom sentido, a sentir mais intensamente e apesar de pecar por tentar preencher os silêncios em demasia, acabamos por perdoar tamanha ousadia tal é a qualidade do que os nossos ouvidos experienciam.
Como fã devoto do western clássico esperava por um triunfo absoluto deste Horizon: An American Saga – Chapter 1 mas Kevin Costner apenas conjura um sussurro inaudível quando se pedia um estrondo gigantesco a anunciar o regresso em grande deste género. Alguns vislumbres de grandeza visual, um apuro sonoro e musical épico e a paisagem do grande oeste americano permitem-nos sonhar com algo melhor no segundo capítulo mas o espaço de manobra não é muito para Costner poder concluir a sua visão em 4 actos. E seria uma pena ver esta saga apenas reduzida ao princípio quando é no meio que começa a virtude.