“You know, a seed has to totally destroy itself to become a flower. That’s a violent act, honey boy.”
Honey Boy, de Alma Har’el, foi escrito por Shia LaBeouf, baseado livremente na vida e infância do mesmo. Um visionamento que se revela algo desconfortável, dado que o filme foi escrito pelo ator como forma de processar os traumas que passou durante a infância, causados pelo trabalho na ribalta e pela relação abusiva que tinha com o pai, interpretado neste filme por LaBeouf.
Em Honey Boy seguimos por um lado a rotina de Otis (protagonizado por Noah Jupe) que vive com o seu pai, James (LaBeouf), e ao mesmo tempo, o impacto que essa vivência teve mais à frente na sua vida. O filme anda neste vai e volta temporal, dando a possibilidade de seguirmos progressivamente aquilo que o levou mais tarde à toxicodependência. Temos acesso à pressão que Otis vivia enquanto ator infantil e ganha-pão da família, aos momentos de violência do pai, que passa as suas frustrações através de agressões físicas e verbais ao seu próprio filho. A Otis não é permitido chorar à frente do pai, nem andar de mão dada com ele na rua. Isto faz com que acabe também por reprimir as suas próprias emoções e frustrações, pois não tem permissão para as exprimir. Alguém que cresce num ambiente assim, vai ter de inevitavelmente deitar para fora toda essa mágoa.
Inicialmente, Otis surge como uma criança bastante tranquila e curiosa rodeada por adultos que lhe proporcionam diferentes experiências. Contudo, rapidamente são afastadas da sua vida pelo seu pai, por receio que estas figuras adultas o substituíssem e/ou estivessem a fazer um melhor trabalho na educação do filho. Otis, já adulto (Lucas Hedges), é obrigado a passar um tempo num centro de reabilitação onde encontra a escrita como forma de exteriorizar a relação que tinha com o pai (e posteriormente, na nossa realidade, o motivo para escrever este filme).
A realizadora Har’el procurou um tipo de filmagem semelhante ao que já utilizava nos seus documentários, algo que torna bastante natural esta entrada do espectador para um registo mais pessoal. Não tem de ser acentuado por nada específico, é vivido pelos espaços fechados em que estas personagens habitam durante o filme (a parte em que Otis é mais novo é maioritariamente vivida num motel, e quando é mais velho, no centro de reabilitação), pela câmara e pela velocidade com que as cenas e consequentemente a vida, se move. Conseguimos sentir o ritmo e perceber a consciencialização de Otis e o sofrimento que isso lhe traz pela turbulência de cada dia, que, ao se tornarem menos acidentados durante a sua fase no centro de reabilitação, obrigam-no a ter de lidar com os seus pensamentos e a entrar mais a fundo neles.
O filme sente-se como uma experiência e expressão vulnerável de Shia LaBeouf, como algo extremamente pessoal. Foi criado com um intuito e propósito terapêutico, dado que na altura Shia mencionou tê-lo escrito durante a reabilitação obrigatória que teve de fazer a pedido do tribunal. Enquanto filme que pretende tratar de assuntos tão sensíveis, consegue fazê-lo de forma bastante eficaz. Não só esta questão de viver com um pai abusivo, mas o de crescer com o peso e responsabilidade de ter de sustentar a família com o próprio trabalho e ainda por cima, em Hollywood. LaBeouf faz um óptimo papel ao caracterizar uma personagem que nos deixa constantemente desconfortável, desde a sua aparência, à atitude misógina e de atiradiço que tem com as mulheres. Aliás, a decisão em colocar Shia a representar o seu próprio pai veio da realizadora, que sentiu que seria uma boa forma para o ator conseguir lidar e sarar do trauma emocional que experienciou. Talvez, ao repetir as ações que o pai teve, conseguiria desculpá-lo ou compreendê-lo melhor e, dessa forma, ter um pouco de paz para com a forma como foi educado e o ambiente em que cresceu.
Infelizmente, dadas as acusações dos últimos anos, Shia parece não ter conseguido contrariar esse padrão de violência e, por essa razão, o filme torna-se por vezes irónico e ganha uma camada ainda maior de melancolia. Traz à mesa aquele debate do “será que devemos separar a arte do artista?”, que neste caso se complica ainda mais dado que a arte do artista é basicamente a biografia e história da sua vida. É na realidade um testemunho e prova da maneira como os traumas que se vivem na infância podem marcar e danificar uma pessoa, principalmente se não receberem o tipo certo de ajuda ou se a pessoa em si não quiser ser ajudada.