“Married a couple of crazy bitches, raised a few crazy bitches.”
Rachel, Christina e Katie. Um trio de irmãs, interpretadas por Natasha Lyonne, Elizabeth Olsen e Carrie Coon, respetivamente, reúne-se num pequeno apartamento em Nova Iorque para cuidar do pai doente, Vincent (Jay O. Sanders). É esta a supostamente simples premissa do filme de Azazel Jacobs, mas cuja simplicidade no significado que a palavra tem de fácil e elementar é somente aparente: a simplicidade de His Three Daughters é de outro tipo: despretensiosa e sobretudo genuína.
O enredo apresenta-nos inicialmente três irmãs muito distintas relativamente às suas personalidades: Rachel é um “espírito livre”, à primeira vista imperturbável e engraçado, Christina é sensível, “queridinha”, positiva e Katie é observante, autoritária e irritável, o que leva a que, como podem imaginar, o relacionamento entre todas seja conturbado. A caracterização de cada uma no começo da película parece-nos estereotipada o que leva a que a narrativa se manifeste a princípio um tanto forçada e incline para uma “comédia de tipo leviana” num filme que afinal se apresenta híbrido em termos de género, isto é, pretende ser concomitantemente um drama e uma comédia, mas que desta forma parece resvalar apenas para a comédia ou até só para a leviandade per si. Não obstante, esta impressão é rapidamente anulada quando o monólogo de Benjy (Jovan Adepo), namorado de Rachel, rompe em cena: as suas falas quebram imediatamente esta sensação de irreflexão no character development das personagens, abandonam-no a tipificação das irmãs, pois alargam o espectro de representação de Christina, Rachel e Katie, na medida em que iniciam o seu processo de “desestereotipação” e, por sua vez, de humanização, encetando finalmente His Three Daughters como um filme de comédia, já não num sentido pejorativo, e de drama – agora sim – verdadeiramente tocante, mais exatamente uma tragicomédia. Katie afinal também tem sentido humor, à semelhança da sua irmã Rachel, que no fundo não é de todo desinteressada e Christina não é tão positiva como mostra.
A atribuição dos papéis foi realmente extraordinária, pois a performance das três atrizes é incrível à sua medida, logo destacar alguma delas deve-se exclusivamente à empatia, à afinidade que um espectador cria naturalmente por uma personagem aquando assiste um filme. Neste caso, relevo especialmente a prestação de Natasha Lyonne enquanto Rachel pela autenticidade e pelo sentido de humor peculiar e Katie, por Carrie Coon, pela irrepreensibilidade do seu carácter que de tão exímio na sua execução acaba por constituir o seu contrário, isto é, torna-se repreensível: todos os que aspiram e ostentam ter uma postura ética irreprochável são, no fundo, pseudo-moralistas. Ainda assim, o realizador consegue a proeza de granjear a nossa compaixão por ela à medida que His Three Daughters vai avançando cada vez mais.
A par destes aspetos o facto de só conhecermos o pai das irmãs por evocação na grande maioria da película, quer dizer, sem aparição física, intensifica, adensa o foco na dinâmica profunda que é vivenciada por elas no pequeno apartamento na cidade americana. Os planos da casa, das suas várias divisões atravessadas pela luz solar e dos candeeiros e pelo ecoar das vozes femininas ou pelo silêncio encaixam perfeitamente na história, permitindo ao espectador refletir antes de uma nova discussão, de uma nova partilha que vai abrindo incessantemente a(s) porta(s) para aquela que é a divisão derradeira da casa (permitam-me a metáfora): a do reconhecimento tácito da real, da tateável ligação que existe entre todas além daquela que as une familiarmente por serem as filhas de Vincent, de Vinnie como Rachel carinhosamente o chama, por serem his three daughters. Neste sentido, o final é, aliás, arrebatador na forma como nos revela esta recognição que é também uma lição belíssima e simultaneamente dura e árdua para elas e para quem assiste.
A produção da Netflix é de facto uma obra marcante pela sua precisão e delicadeza, propriedades que trabalham meritoriamente em simbiose. O filme mostra-nos como é a vivência da “irmandade Katie-Christina-Rachel” que se vai desconstruindo e construindo e vice-versa por meio da incompatibilidade, da emoção, do luto, da empatia, da zanga, etc., entre elas até que [elas] percebam e nós percebamos também que os laços familiares principalmente são mesmo assim: caóticos, informes, perturbados, mas também afetivos, presentes, preocupados… Oxalá assim sempre presentes, afetivos e preocupados como em His Three Daughters.