“Thank you for the sound of all the voices that have been here.”
Here marca o regresso de Robert Zemeckis, realizador, produtor e argumentista de vários filmes populares como Back To The Future (1985), Forrest Gump (1994) e o filme de animação de Natal, The Polar Express (2004). Já com Polar Express, Zemeckis atingiu um novo nível de grande ambição ao criar o primeiro filme de animação inteiramente com motion capture, no qual várias das personagens têm como base a atuação digital de Tom Hanks (ou seja, Tom Hanks tanto representou uma criança de 10 anos, como um homem de 30 anos e o Pai Natal).
Mas contextualizemos primeiro o filme em questão: Here, baseado numa novela gráfica de Richard McGuire, tenta representar, através de espécies de molduras temporais, a vida que está presente num espaço, e as gerações diferentes por que lá passam – diferentes famílias em diferentes épocas; dar vida ao provérbio tão conhecido: “Se estas paredes falassem…”. Este aspeto está bem conseguido e as próprias janelas digitais que aparecem e interferem com a imagem principal trazem transições mais suaves e camadas de significados às diferentes histórias, unindo-as apesar do intervalo de tempo entre elas. O desafio do filme está em caracterizar tudo isto através de um plano inteiramente fixo e estático. Só temos acesso a um único ângulo e perspetiva. Tudo o que acontece nas outras divisões da casa, é-nos totalmente desconhecido. Numa cena, Zemeckis tira essa curiosidade ao aproveitar um espelho, que fica no ângulo da câmara, e através do seu reflexo, temos acesso ao que se está a passar na divisão atrás de nós.
Os acontecimentos retratados das diferentes famílias não são extremamente dramáticos, relatam situações habituais e confrontos que advêm dos contrastes de gerações, de ideais e vivências díspares. No entanto, a essência do filme está exatamente em mostrar essa semelhança de vivências que foram acontecendo ao longo dos séculos, neste mesmo espaço. Não existe um incidente desencadeador específico, porque esse também não é o propósito.
Zemeckis, no entanto, não consegue convencer totalmente com esta adaptação. Em Here quase que presenciamos a mesma ambição presente em The Polar Express, mas neste caso em vez de motion capture foi utilizada a tão polémica Inteligência Artificial (IA). Esta que levou a uma grande greve em Hollywood, em 2023, para garantir que os trabalhos de todos os criativos não fossem substituídos por IA.
Neste filme, IA é utilizada especificamente para fazer o rejuvenescimento dos atores. Os efeitos visuais são baseados nos deepfakes, que consistem na recolha de informação visual das respectivas filmografias anteriores dos atores para consequentemente poderem criar uma espécie de máscara jovial. Infelizmente, não resulta e traz um ar plástico que nos relembra os bonecos de cera ou as personagens de jogos de computador, acabando por causar algum desconforto e distanciar-nos da história, dado que temos noção que estamos a ver representações de representações dos atores e não os atores em si.
Apesar de compreender o intuito de Zemeckis e o entusiasmo por detrás desta tecnologia no filme, sinto que o resultado seria mais eficaz com atores diferentes a representar os protagonistas até às suas vidas adultas. Tom Hanks e Robin Wright aparecem como adolescentes em deepfakes, o que dificulta bastante a nossa percepção temporal, pois os dois enquanto adolescentes, parecem estar mais próximos dos 30 do que dos 18. Este aspecto visual é suficiente para desistir do filme nos primeiros 20 minutos. Às tantas, em vez de estarmos imersos pela história, estamos constantemente a questionar e a tentar decifrar o que foi recriado através de IA e o que é na realidade, real. Para além de que, nas cenas em que as personagens estão mais perto da câmara, é mais claro este efeito e causa uma espécie de repugna, estragando, assim, a experiência.
A minha esperança é que a utilização de IA continue como um segundo recurso e que os criativos tentem sempre solucionar os problemas com recursos originais ou clássicos, feitos maioritariamente por pessoas e não unicamente por “robôs”. Robert Zemeckis, agradeço a tentativa, mas este é um dos demasiados casos em que o livro continua muito melhor que o filme. Menos artificial. Mais vivo na página do que no ecrã.