“In this world, you must be oh so smart, or oh so pleasant. Well, for years I was smart. I recommend pleasant.”
No caos que a vida consegue ser, num mundo em que somos constantemente bombardeados com notícias deprimentes de guerras, catástrofes e todo o tipo de conflitos sociais, por vezes sabe bem ver um filme confortável e animador que nos faça sentir um pouco mais positivos com o que nos rodeia. Harvey é a escolha certa para esses momentos, já que é o equivalente a um abraço apertado da nossa pessoa preferida e não só deixa inevitavelmente um sorriso na cara a qualquer um, mas tem também uma moral por trás que continua a ser muito relevante nos dias de hoje.
Henry Koster tinha acabado de realizar The Bishop’s Wife (1947), vencedor de um Óscar, quando mergulhou neste projeto, também digno de outro Óscar e um Globo de Ouro. Baseada na peça Harvey (1944) de Mary Chase, esta comédia dramática centra-se em torno de Elwood P. Dowd (James Stewart) que, apesar de ter crescido numa família muito rica, não deixa o seu privilégio torná-lo num snobe, abordando a vida de um modo muito mais simples e longe de materialismos, sendo o tipo de pessoa que tem sempre um sorriso na cara e apenas vê o bom nos outros. Dowd, contudo, é um homem estranho para as pessoas à sua volta, visto que o seu melhor amigo é Harvey, um coelho branco imaginário com cerca de 1,91 cm de altura, que ele leva para todo o lado e faz questão de orgulhosamente apresentar aos seus conhecidos.
Porém, esta situação leva ao desespero a sua irmã Veta (Josephine Hull) e a sobrinha Myrtle (Victoria Horne), que não conseguem manter relacionamentos com nenhum dos socialites que os rodeiam, pois todos acham que Elwood é um lunático. Assim, o filme guia-nos pelas peripécias que Dowd enfrenta enquanto Veta tenta “corrigir” o comportamento do seu irmão ao tentar colocá-lo num hospital psiquiátrico antes de ser capaz de o aceitar exatamente como ele é.
À medida que a narrativa prossegue, o filme deixa de se concentrar tanto no coelho imaginário em si e muda o foco para a generosidade e o altruísmo que constroem a encantadora personalidade de Elwood P. Dowd, que nunca conheceu um estranho, mas sim alguém com quem ainda não criou uma amizade porque, para ele, é possível criar uma conexão com qualquer um e vale sempre a pena ser bondoso com os outros, tanto que a sua maneira de ser torna-se contagiante e alguns acabam por “ignorar” o facto de ele ter um amigo imaginário e começam a vê-lo simplesmente como alguém que tem muito amor para partilhar e que procura qualquer ser no geral que o entenda e reciproque esse afeto. Nesta perspectiva, é indispensável aplaudir a performance de James Stewart que se revela como o ator perfeito para este papel, conseguindo encapsular de uma forma excelente o modo de pensar de Dowd.
É ainda importante referir o quão além do seu tempo Harvey é. Apesar de mostrar certos cenários que atualmente são inconcebíveis, nomeadamente a clara diferença hierárquica entre homens e mulheres, e ainda o retrato de como os pacientes eram tratados nos hospitais psiquiátricos na altura (ainda que ridicularizado por ser uma comédia), no geral, e naquele que é o foco principal do enredo, Henry Koster mostrou uma certa audácia em abordar um tema que nos anos ’50 ainda era sensível, ou seja, dar sequer a entender que um homem ter um amigo imaginário não era sinal de doença mental e que de facto podia significar muito mais que isso.
Desta forma, Harvey não só se revela como uma comédia repleta de acontecimentos engraçados, mas também dispõe de momentos e personagens a dizer coisas que parecem vindas de um livro de poesia e cheias de significado que ensinam lições importantes. Harvey é um coelho gigante invisível, mas, na verdade, representa aquilo que todos nós procuramos incessantemente nesta vida: algo ou alguém que nos compreenda e esteja lá para nós nos bons e nos maus momentos e que nos faça sentir bem. Todos nós temos o nosso Harvey, seja uma pessoa, um diário, uma música, um filme…