GUITAR DAYS: An Unlikely Story of Brazillian Music (2019)

de João Iria

Samba, Bossa Nova e Tropicália. Estes são alguns dos géneros musicais, associados ao Brasil, mencionados durante os primeiros minutos desta longa-metragem documental, que serve para demonstrar as ideias pré-concebidas desta forma de arte do país e o conhecimento limitado sobre o género explorado neste filme, o Rock Brasileiro, também conhecido como Guítar. Dentro do cinema, os documentários que se destacam, em termos de qualidade, são aqueles que exploram um mundo desconhecido, retratando a sua história, enquanto simultaneamente desvendam e analisam as temáticas desta narrativa, em relação à nossa realidade. Neste sentido, Guitar Days: An Unlikely Story of Brazillian Music sobressai como uma prenda musical para atualizar no Spotify e para recordar que talento não implica fama.

Enquanto se testemunhava a queda do Muro de Berlim, o Brasil restaurava a sua democracia com vastas transformações na vida política e na sua herança cultural, principalmente na música brasileira. Uma nova geração de artistas surgiu, desafiando o status quo com uma natureza focada em noise guitar e uma composição de letras em inglês que rejeitava as normas melodiosas nacionais. Este é um documentário realizado, escrito e produzido por Caio Augusto Braga, sem patrocinadores e com colaborações de artistas independentes, que captura um momento underground histórico do país.

Complementado por uma equipa técnica composta por pessoas relacionadas com este movimento que inclui o baterista da banda Twin Pines, Magoo Félix, responsável pela co-produção deste documentário e um dos autores dos excelentes e criativos motion graphics que emergem nesta longa-metragem, Guitar Days é moldado como uma criação indie, numa produção que persistiu durante cerca de 5 anos, seguindo o ambiente nicho da sua tese. 

Construído, sobretudo, por entrevistas a vários músicos brasileiros e jornalistas, e também a algumas das vozes mais influentes nesta atmosfera como Thurston Moore (vocalista e guitarrista dos Sonic Youth) e Stephen Lawrie (The Telescopes), esta narrativa revela o escopo inteiro de um ambiente alternativo rebelde, excelendo como uma homenagem à identidade artística e como um pedaço de pesquisa fascinante e cuidadosa que captura o investimento emocional da audiência através da sua história sobre determinação e a perseguição da paixão, mesmo que o interesse do espetador divirja do tópico principal.

Numa época em que a experiência e o conhecimento deste estilo musical era limitado para os engenheiros de som, a produção dos álbuns ficava a cargo da própria banda que era forçada a investir financeiramente de modo excessivo sem o devido retorno para manterem-se vivos na indústria, sendo beneficiados pela relevância estética do lo-fi que irrompia pelas barreiras do país. O modelo indie era predominante neste ambiente, com as bandas em controlo do processo criativo, produção e até o marketing. A sua perseguição apaixonada e rebeldia contra o mainstream é comovente, nomeadamente devido à realidade que retirou o possível sucesso estrondoso destes artistas, cujo talento era reconhecido internacionalmente – elogiados, nomeadamente, por Dave Grohl (Nirvana; Foo Fighters) – , exceto no Brasil. A força para manter fiel à nossa vontade é um sentimento aliciante que muitos desejávamos atingir e uma sensação que o documentário transmite respeitosamente sem a manipulação de drama desnecessário, funcionando como um apelo ao país para enveredar pela diversidade de artistas talentosos locais que estão à espera de ser valorizados ou simplesmente encontrados. Seja música, pintura, cinema ou qualquer forma de expressão artística.

Uma decisão em compor as letras das suas músicas em inglês, negando o uso do português, torna-se o motivo principal do desprezo nacional pelos media. Esta escolha não provinha de presunção, sendo motivada pela musicalidade da língua e pela intensidade das suas influências como Sonic Youth, The Doors e The Velvet Underground, que manifestavam uma agressividade que não se enquadrava na identidade musical do Brasil, impedindo estes grupos de abranger uma audiência mais abrangente. Eram outsiders que procuravam tocar aquilo que sentiam, amavam e conheciam, encarando as críticas das suas pronúncias, sotaques e de inglês referido como “tosco”, como parte do som.

Guitar Days é um documentário cativante que explora um movimento e os indivíduos que o criaram, recordando que mesmo não atingindo o sucesso que estas bandas mereciam, elas existiram e têm um nome: Pin Ups, Mickey Junkies, Maria Angélica Não Mora Mais Aqui, Killing Chainsaw, Twin Pines, Second Come, entre muitos outros, continuam a existir, tiveram impacto e permanecerão no mundo, prestes a serem descobertas pela próxima geração e a transformarem-se em futuras influências. O nome Guítar surgiu para denominar este género porque a guitarra estava à frente de tudo, incluindo do próprio vocalista, sem espaço para ego, somente música.

É impossível atingir a conclusão desta longa-metragem sem sentir o mérito de lutar pela nossa arte. Da mesma maneira que o Samba está presente no sangue brasileiro, o Rock está no sangue destas pessoas, o Rock é a sua própria língua.

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