Hooked on a Feeling… Forever
Finalmente, após várias tentativas com um resultado um pouco desapontante, trago-vos as boas novas de que estamos novamente perante um excelente e digno filme da Marvel, cheio de personalidade e entusiasmo. Não significa que a mesma está de volta ao seu melhor e pronta a trazer-nos aventuras de topo, mas pelo menos podemos ver algo de novo que nos traz o mesmo sabor que fez todo este universo tão venerado.
Agarrados ao terceiro volume do mix de músicas e após os eventos de Avengers: Endgame (2019), os Guardiões estão estabelecidos na sua base, calmos e unidos. No entanto, Peter Quill (Chris Pratt) ainda está assolado pela perda de Gamora (Zoe Saldana) e vê-se obrigado a sair das ruas da amargura para poder defender um dos seus amigos do grupo, bem como o típico e já chato destino do universo que está em causa por causa de um mau zangado.
Guardians of the Galaxy Vol. 3 faz o mais importante de tudo: manter a sua identidade e respeitar as suas personagens, focando-se nelas e em evolui-las. Não é perfeito na execução, seja destas ideias como de tudo o resto, mas pelo menos digna-se a tentar e a conseguir na sua grande maioria. Desta forma, somos imediatamente colocados num ambiente familiar e do qual já sentíamos saudades, onde paira no ar o peso das aventuras que passamos com estas personagens e do que isso lhes trouxe nas suas vidas, para o bem e para o mal. Conseguimos sentir que reconhecemos as palavras e os atos de todos, bem como o porquê de nenhum ser exatamente como era quando os conhecemos.
Há também a questão de que James Gunn continua a trazer, tanto no argumento como na realização, toda uma identidade própria que parece ser a única a conseguir segurar-se no meio de tantas vozes artísticas que são chacinadas pela gigante produtora. O realizador consegue manter o coração e a diversão que fizeram esta franchise tão adorada. Foge, em grande parte, ao humor estranho e forçado, bem como aos visuais sem inspiração que têm assolado os projetos da Marvel desde há tempo incontável. Gunn tem a sua própria linguagem visual, principalmente num uso da câmara que se faz notar e viver com a dinâmica dos Guardiões e que se mistura com todo o humor, drama, ação e histerismo que povoam esta narrativa. O bom histerismo.
Para além destes pontos técnicos, a imagem de marca dos Guardiões que volta a não falhar é o mix de faixas musicais que acompanham os nossos heróis. Existe de tudo um pouco, sempre bem inseridas, fazendo-se sentir em casa no momento e sem nunca forçar músicas comerciais só porque é cool. Desta vez vai-se ouvindo um pouco mais para os anos 90, mas sempre mantendo o gosto musical variado e apurado, nunca fugindo às suas próprias ideias.
Por falar novamente em identidade, aproveito para apontar que sim, este filme volta a trazer essa temática, bem como a de família e amizade, que já são bem batidas nesta franchise e na filmografia de James Gunn. No entanto, neste terceiro volume, somos defrontados com uma abordagem ligeiramente diferente que se foca no amor-próprio. É muito comum em filmes comerciais vindos do oeste haver a mensagem de que nós somos aquilo que fazemos ou as pessoas com quem estamos. Por isso mesmo, é uma lufada de ar fresco esta história concentrar-se não só em perceber de onde as personagens vêm, mas também em como elas se querem encontrar a si mesmas, dando ênfase à importância de gostarmos de nós mesmos e trabalharmos no nosso bem-estar, mesmo que isso signifique que nos afastemos de pessoas ou coisas que gostamos. É uma mensagem bastante madura e que não se mostra intrusiva pois acaba por, de uma maneira interessante e ponderada, colocar mais perguntas sobre o assunto do que respostas. Para além disto, o filme tem uma postura bastante adulta em relação ao seu tom de conclusão para com toda a franchise dos Guardiões da Galáxia. Opta por roçar o romântico-fatalista ao invés de ir por um caminho mais convencional de alegria bonita ou desfecho triste. Explora o agridoce, o quanto muitas vezes não existe bem o correto e o errado, nem o sentir bem ou mal separadamente. Demonstra o sentir apenas, e deixar esse sentimento fluir em todas as suas cores, mesmo que seja dançar na face da tristeza. Mostra-se assim mais complexo e profundo na imagem e emoção com que quer deixar os Guardiões.
Mais uma vez e sem surpresa, todo o elenco é uma absoluta delícia de se ver e nota-se a léguas que se divertem naqueles papéis de forma contagiante. Isto aplica-se a todos, incluindo as adições da nossa querida Daniela Melchior (que está num papel secundário mas bastante engraçado e quase irreconhecível), de Will Poulter como Adam Warlock e de Chukwudi Iwuji como o vilanesco The High Evolutionary. Estes dois últimos, apesar de Will trazer energia ao papel de Adam e de Chukwudi se apresentar extremamente creepy e inquietante, são duas personagens cuja existência é muito questionável e provam ser o grande ponto fraco do filme. O vilão, apesar de fazer completo sentido em relação aos muitos flashbacks presentes no filme, acaba por ser mais um tirano louco obcecado com um novo mundo e manias de ser um Deus. Já Adam Warlock, prometido numa cena pós-créditos do segundo filme e tão esperado pelos fãs, aparece sem relevância nenhuma, sem qualquer dinâmica real com os Guardiões ou com a sua jornada. É triste ver uma personagem tão importante nas bandas desenhadas, incluindo na história de Thanos e das Pedras do Infinito, ser tão mal usada, mal executada e posta de lado. Não passa de um tonto que é forte e isso mostra que a sua presença neste filme foi forçada tendo em conta a sua premonição.
Tudo isto, positivos e negativos, fazem Guardians of the Galaxy Vol. 3 ser um sinal de esperança e inspiração para o resto da Marvel, que está longe de ser curada. Mostra que com o cuidado certo, estes filmes conseguem voltar a assumir-se como o pináculo da qualidade de entretenimento. Talvez este terceiro volume não seja tão pontual e preciso como o primeiro, mas é superior ao segundo e uma conclusão exímia para uma excelente trilogia. Se realmente esta é a última aventura dos Guardiões, então vão deixar as suas saudades.
1 comentário
[…] deixaram de ser interessantes há demasiado tempo. Com a excepção de algumas obras – como Guardians of the Galaxy Vol. 3 (2023) ou as longas-metragens de animação do Spiderverse (2018/2023) -, o projecto de construir […]