Grazie Ragazzi (2023) 

de Guilherme Teixeira

O filme que vos trago foi um dos destaques na última edição do Festival de Cinema Italiano, estreou em 2023 e conta com a assinatura de Riccardo Milani. Conta a história de Antonio (Antonio Albanese), um ator longe do seu auge que ganha a vida a dobrar filmes um tanto ou quanto promíscuos. Certo dia, um ex-companheiro de cena oferece-lhe uma oportunidade de trabalho que consiste em dar aulas de atuação num estabelecimento prisional. Começam com uma peça simples, mas vendo o potencial daqueles reclusos, Antonio decide ser audaz e encenar a peça de Samuel Beckett, En attendant Godot (1952).

Na peça, Estragon encontra-se sentado numa árvore quando Vladimir se junta e ambos deambulam sobre variados temas, cada um mais absurdo que o outro, enquanto esperam por Godot, alguém que não se sabe sequer se existe, quanto mais se um dia vai chegar. É interessante ver uma peça como esta ser interpretada por reclusos, até porque, dependendo do crime e dos anos que cada tem de cumprir, esperar por Godot é o mesmo que esperar pela liberdade. Chega-se a um ponto em que já não se sabe se esse termo é sequer algo palpável ou, se um dia vai chegar.

Tendo que resumir a experiência, diria que a decepção andou de mãos dadas com a satisfação. Por um lado, há aquela sensação de esperança que paira no ar, e o argumento consegue construir personagens interessantes (ainda que superficialmente), apesar de errar redondamente na construção de uma delas. Por outro, é perceptível o medo que a história tem em explorar o passado de cada um, talvez com receio de que, sabendo os crimes que cada um cometera, o público sentiria mais dificuldade em se conectar emocionalmente com estas personagens. Contudo, é parcialmente desculpável esta questão, pois o ponto crucial da narrativa, apesar de não ser só isto, gira bastante em torno da redenção, especificamente da nossa humanidade não se resumir apenas a erros que se cometeram no passado e que tal como todas as outras pessoas, os reclusos também sentem e têm que viver com as angústias dos seus atos todos os dias. Não obstante, disse parcialmente porque há uma situação para lá de audaz que acabou por se tornar um tiro ao lado. A certo ponto, Christan (Gerhard Koloneci), um recluso que estava bastante empenhado na peça, é coagido por Diego (Vinicio Marchioni) a sair para lhe dar o lugar. Esta decisão acaba por se revelar descabida, pois não só o filme tirou uma das personagens com quem a audiência se conecta verdadeiramente, como adiciona uma que, apesar de justificar a razão daquele comportamento, nunca chega a convencer na sua totalidade.

A estrutura da história é por vezes demasiado circular. Pode-se argumentar que o filme se mistura e casa na perfeição com uma certa teatralidade, na medida em o argumento bebe bastante da filosofia de Beckett, todavia, torna-se repetitivo de acompanhar quando a mesma ideia é transmitida quatro ou cinco vezes. Há também um enorme recurso à exposição para justificar a razão de escolha da peça e da importância que tem para todos os envolvidos. Ainda assim, confesso que o monólogo final é um golpe de génio, tanto para a proposta estrutural do filme como para oferecer à audiência aquele soco emocional completamente merecido.

Grazie Ragazzi é um clássico feel good movie, mas com algo a mais. Nenhuma das personagens tem grande profundidade, mas ao mesmo tempo conseguem destacar-se sem nunca parecerem unidimensionais. De uma certa perspetiva, pode ser considerado um filme cruel, ainda assim não deixa de ser inspirador ver o fascínio e o brilho nos olhos de pessoas que até então não tinham qualquer razão para ter esperanças, porque no final do dia, apesar das quatro paredes, sentem-se um bocadinho mais livres.

3.5/5
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