Dan Levy, conhecido pela hilariante série que cocriou com o seu pai Eugene Levy, Schitt’s Creek (2015-2020), realiza, produz, escreve e protagoniza a primeira longa-metragem da sua autoria em Good Grief. Um drama cómico distribuído pela Netflix que estreou na plataforma a 5 de janeiro, uma semana após passar por salas limitadas nos Estados Unidos.
A narrativa de Good Grief começa quando Oliver (Luke Evans), o marido de Marc (Dan Levy), morre num desastre automóvel logo após uma festa de Natal animada na casa de sonho dos dois. O casal é desde o início apontado pelos amigos de Marc, Sophie (Ruth Negga) e Thomas (Himesh Patel), como sendo especial – uma das poucas relações saudáveis e apaixonadas que conhecem – e durante a primeira metade do filme nós acreditamos no mesmo.
Levy enquadra o filme de forma ambígua, dando a entender que estamos perante uma tragédia romântica sobre um homem a processar a perda do amor da sua vida. Em parte, Good Grief é isso mesmo, mas também é muito mais. Depois de estabelecer Marc como a personagem central, e a sua vida pessoal como o conflito principal, o foco reajusta-se para a amizade deste com Sophie e Thomas, trazendo também para primeiro plano os desafios e dificuldades que os mesmos enfrentam.
Quando Marc propõe uma escapadinha a três em Paris, entramos finalmente a todo o gás na ação da história. Oliver deixa de ser uma personagem relevante como o início do filme parecia indicar, para se tornar, antes, num catalisador para o desenvolvimento emocional de Marc. Ao mesmo tempo, Sophie e Thomas tornam-se personagens cada vez mais desenvolvidos e, por consequência, nucleares para a história. À medida que uma série de segredos é revelada, a ideia que tínhamos de cada personagem vai sendo desconstruída e analisada. A vida quase de catálogo de tão perfeita de Marc e Oliver, afinal estava cheia de furos. A atitude boémia de Sophie é mais escudo que natureza, e Thomas, que sempre serviu como ombro de apoio aos seus dois amigos, atingiu o seu limite. Longos e introspetivos diálogos permeiam o filme, uns com mais peso e substância que outros, com a Paris fabricada, romântica e Americanizada como pano de fundo.
Nos seus melhores momentos, Good Grief levanta questões pertinentes sobre como encarar o amor e a amizade numa idade que deveria ser adulta, mas que continua cheia de imaturidade (os 30). O argumento de Levy é muitas vezes meditativo, e a sua realização dá espaço às personagens para sentirem as variadas e conflituosas emoções que definem esta fase das suas vidas. A câmara é em igual medida fria e calorosa. A amizade entre os três, assim como cada personagem, consegue ser inesperada, complicada e complexa, proporcionando uma boa e surpreendente hora de reflexão pessoal, sem nunca entrar por caminhos demasiado perturbadores. Um filme pouco preocupado com enredo e que trata os segredos de cada personagem não como reviravoltas melodramáticas, mas sim como peças de um puzzle imperfeito e inacabado. A verdadeira história de amor é a relação platónica entre Marc, Sophie, e Thomas, assente em empatia e lealdade que nunca vacilam mesmo perante a desonestidade e a vergonha.
No entanto, e infelizmente, Good Grief derrapa no último trecho, caindo em conclusões fáceis e cliché que simplificam o conflito muito mais multidimensional que o filme foi propondo ao longo da sua duração. Afinal, saber como terminar uma história é das partes, senão a parte mais difícil de a criar, especialmente porque dita a tese de todo o filme e, por consequência, o filme em si. Desta forma, Good Grief, na sua última meia hora, passa de uma tentativa meritória de examinar os dilemas de uma fase de vida muito característica do século atual, para se tornar num filme “feel good” com respostas, se me permitem o cinismo, demasiado rosadas para tópicos que não o deveriam ser.
O argumento de Levy precisava de alguma afinação no que respeita o tom e o tópico do filme, que se divide entre comédia romântica e drama emocional, pegando em lugares-comuns nocivos do primeiro, ao mesmo tempo que tenta obter alguma profundidade através de lugares-comuns do segundo. Também o título induz em erro, uma vez que centra o luto de Marc, que acaba por ser apenas um terço da história. Ainda assim, há sequências isoladas brilhantes com prestações fabulosas do elenco principal. Levy é tão charmoso como sempre – característica que infeta também o seu guião e realização –, Negga nunca falha e Patel cativa dentro da reserva e frustração da sua personagem. Todos elevam o filme a patamares que certamente não alcançariam com outro grupo de atores.