Tudo muda subitamente. O tempo é simultaneamente rápido e lento, arrastando as horas mas atravessando os meses. Repentinamente é o nosso aniversário e a nossa vida está diferente, mesmo que sejam apenas detalhes, acumulados criam uma vasta pintura manchada por novas cores. Se focarmos o nosso olhar, conseguimos ver as pinceladas antigas ainda expostas. Good Bye Lenin! é uma despedida ao passado e ao presente. Para o protagonista, Alex Kerner (Daniel Brühl), a revolução marca o seu destino, caminhando pelas ruas em protestos contra o governo, durante a Guerra Fria, ocultando as suas crenças da sua mãe socialista, Christiane (Katrin Sass), que sofre um enfarte após presenciar o seu filho a ser espancado pela Volkspolizei. A violência que sofreu desvanece da sua mente nas suas visitas ao hospital para cuidar da sua mãe em estado comatoso. Quando finalmente acorda, o seu universo morreu: fronteiras abertas, capitalismo, a unificação de Berlim e, naturalmente, Coca-Cola. Face às suas condições vulneráveis, Alex decide esconder estas mudanças e preservar a Alemanha amada pela sua mãe, dentro do seu quarto.
Apesar do seu título e narrativa indicar uma forte presença política (claramente, é o caso), emocionalmente é uma história sobre a fragilidade do tempo e da construção física dos nossos países, das nossas casas, e, principalmente, das nossas relações. Durante diversos instantes a edição de Peter R. Adam carrega no comando e skips momentos, ultrapassando viagens, beijos, e rotinas; avançando a vida das suas personagens. Inicialmente uma referência a Clockwork Orange (1972), esta película de Wolfgang Becker utiliza o processo de montagem para marcar esta impressão de delicadeza do tempo, pontuando a fraqueza das horas que acariciam o nosso cabelo como o vento, invisível mas sentido no corpo.
Contrastando com essa ligação emocional perante o tempo, observamos um homem a recuperar o passado num instante. Em meros minutos, testemunhamos uma transformação colossal: um muro a cair e, subitamente, um muro a ser erguido. O cimento rodeia uma mulher cuja identidade permanece intrínseca num passado enterrado. Demasiado tarde para começar novamente, para aceitar uma nova existência ou adaptar-se a novos ideais. Aliado ao seu colega de trabalho e amigo, Denis (Florian Lukas), que sonha pela oportunidade de realizar filmes, ambos produzem uma mentira cinemática, criando noticiários falsos, e procurando por mobília e produtos nacionais extintos, independentemente dos desejos da sua irmã, Ariane (Maria Simon), que pretende prosseguir os seus dias distante da crueldade destes tempos antigos. É um conflito que bombeia o coração desta narrativa. Uma família a reviver uma sociedade conectada a memórias infelizes em beneficio da saúde da sua mãe.
Neste sentido, Good Bye Lenin! revela um cenário fascinante no seu argumento: o conceito maleável da verdade, uma construção que pode facilmente ser manipulada politicamente como sentimentalmente. Todos os eventos que apontam para uma realidade alternativa a Christine são simplesmente desfigurados até restar somente uma figura plastificada da verdade, apta para ser observada mas nunca tocada, experienciada futilmente como propaganda televisionada, ironicamente similar às vivências do seu lado de Berlim, sob a República Democrática Alemã. A distinção, obviamente, sendo as intenções protectoras de Alex e o seu carinho pela sua mãe. As divertidas façanhas de Brühl, que entrega uma performance absolutamente fantástica e tocante, arriscam aproximar-se de uma sitcom banal contudo o seu argumento balança inteligentemente humor com drama, destacando sempre a alma escondida atrás da parede. Compreendemos constantemente o motivo que move a sua personagem a seguir instintos duvidosos – quem não relaciona-se com a ideia de suportar as estranhas ilusões políticas dos nossos familiares? Eventualmente, nesta bíblia de mentiras, Alex descortina camadas dos seus sonhos, anseios e desejos acerca do seu país que nunca percebeu existirem, próximos da visão enevoadamente esperançosa que a sua mãe retém de uma nação quebrada.
Ostalgie é uma descrição apta para esta longa-metragem. Nostalgia por um mundo derrubado instantaneamente, retirando espaço ou tempo para sentir a sua passagem ou o seu impacto, afectando psicologicamente a nossa conexão com esse passado; um termo comum para este povo alemão que, nesta transição, perderam empregos e a invulgar estabilidade das suas rotinas. Mudança, apesar de inevitável, exige tempo para interiorizar. Esta é uma narrativa original que surpreende na sua exploração humorística de uma realidade genuinamente devastadora, nunca ultrapassando a linha de ofensa ou desrespeito. Aliás, Becker e o seu co-argumentista, Bernd Lichtenberg, exibem consciência da tragédia neste mundo dividido, enfatizando o ponto mais importante num filme político: o lado humano.
Admitidamente, a excelente banda sonora de Yann Tiersen – Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain (2001) ensinou que as suas músicas exigem o acompanhamento de um voice over a partilhar uma história – adiciona um componente fantástico a esta realidade, um asperge de magia espalhada por acontecimentos factuais que assistem esta longa-metragem nas suas circunstâncias ridículas. Não é um conto de fadas, recusa-se a agir como um conto de fadas, mas Good Bye Lenin! emprega uma combinação comovente destes universos “separados”, o encanto do cinema com uma sóbria realidade; o elemento de controlo no amor e o comportamento ditatorial do poder; a verdade e a mentira. Neste filme, evidentemente pessoal, quando tudo está ao alcance da manipulação, uma verdade é salientada: nunca existe tempo suficiente para expressar completamente todo o amor que sentimos pela nossa família, amigos, amantes, conhecidos e até estranhos. Possivelmente, é a única verdade que temos.