Glass Onion: A Knives Out Mystery (2022)

de Rafael Félix

Sinal do trabalho extraordinário de Daniel Craig e Rian Johnson, é que a primeira vez que ouvimos o sotaque assustadoramente sulista e dedicado de Benoit Blanc em Glass Onion: A Knives Out Mystery, já uns bons minutos dentro da sequela do filme de 2019, sentimos imediatamente que voltamos a um sítio onde já fomos tão felizes (ainda que essa felicidade tenha envolvido vários homicídios e dramas familiares, mas são detalhes).

O detetive mais bem vestido do cinema (e do streaming a partir deste momento) é surpreendido pela chegada de um convite para uma festa privada na ilha deserta de um bilionário, Miles Bron (Edward Norton) onde é convidado a resolver um homicídio: o do próprio anfitrião. Para o evento foi trazido o seu grupo de amigos mais próximos (e tóxicos): Birdie Jay (Kate Hudson), uma antiga modelo transformada em empreendedora de moda com negócios suspeitos com fábricas no Bangladesh; Claire (Katherine Hahn), uma política democrata com ligações pouco fiáveis ao dinheiro de Bron; Lionel (Leslie Odom Jr.), um cientista de renome que dá corpo às ideias megalómanas do bilionário; Duke Cody (Dave Bautista) um ativista dos direitos dos homens que aspira a ser o Alex Jones do canal de notícias de Bron; e Cassandra Brand (Janelle Monáe), a co-fundadora de Alpha, a empresa de Bron, de onde foi expulsa através de um processo judicial que deixou muitas pontas soltas. Todos eles têm algo em comum: todos precisam de Bron e todos têm razão para o querer ver morto.

Este bilionário, excêntrico e, aparentemente, brilhante, que é Miles Bron, faz-nos lembrar que precisamos de ver Edward Norton mais vezes, seja num grande ou num pequeno ecrã, porque a vida que traz a Glass Onion apenas pode ser equiparada à agência de Janelle Monáe, que, não menosprezando o delicioso trabalho de Craig, em poucas cenas se torna a estrela de uma companhia que por si só já está muito bem “constelada”.

Johnson tem um talento especial para trabalhar com atores, provado na forma como Knives Out tem uma boa porção do seu divertimento investido em vermos grandes atores a bater bolas uns com os outros. A sequela não é muito diferente e mais uma vez o humor bem referenciado de Johnson, com algum “quê” de FilmTwitter ganha brilho pelas performances de um elenco, que apesar de ficar uns furos abaixo do original, faz com que as duas horas e vinte minutos voem imperceptíveis.

No entanto, e como se espera com um bom whodunnit, o que importa realmente é saber se o mistério funciona. Se nos mantém a adivinhar a cada momento, se dá pistas escondidas completamente à vista e se conseguimos realmente perceber quem é o culpado pelo crime cometido neste paraíso grego logo nas primeiras sequências. O mistério de Knives Out não se desenvolve num final totalmente inesperado, mas o caminho talhado para lá chegar prova que o mais importante é a viagem, não o destino, mesmo num murder mystery. Com isto, Johnson parece ter revisto Knives Out, analisou-o tão a fundo como Blanc, e usou as nossas expectativas para uma sequela que se envolve em formas intrincadas, com curvas e contracurvas, desvendando tudo à frente dos nossos olhos, fazendo pouco da nossa memória com uma honestidade assustadora num realizador que está tão confiante no seu trabalho que se atreve a construir todo um crime perfeitamente à vista da câmara, mas, miraculosamente, oculto para quem está do lado de lá do ecrã. É assim que Glass Onion se equipara ao seu antecessor: as personagens são menos interessantes, mas o mistério é mais absurdo e é tanto melhor por isso.

As constantes referencias de pop-culture, entre cameos e one-liners, e um subtexto muito pouco subtil sobre o vácuo por trás dos cabelos penteados e camisolas casual dos tech bros, em que a imbecilidade se esconde por trás de discursos de pompa e circunstância, e que uma hilariante referência no guarda-roupa de Norton confirma, dão a Glass Onion algo um pouco mais palpável do que o seu irmão mais velho. Ainda assim, tal como este, o prazer está no tempo bem pensado, nos twists rocambolescos e na boa disposição de Johnson, que faz parecer fácil criar um filme tão meticulosamente pensado, desde cada palavra dita, cada adereço e cada enquadramento, apesar de um segundo ato algo pasteloso, sem nunca deixar de entreter.

Por este andar, o futuro é risonho para Rian Johnson e Daniel Craig. Com apenas dois filmes, revitalizaram e aperfeiçoaram um género que nem Kenneth Brannagh e o seu Poirot conseguiram trazer à vida com as suas tépidas adaptações de Agatha Christie. O espaço do whodunit agora é seu e de Benoit Blanc para fazerem dele o que quiserem.

4/5
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