Garrano (2022)

de João Iria

Garrano é uma raça ibérica de equídeos, muito antiga, nativa do Minho e Trás-os-Montes, pequena em tamanho mas intensamente forte nas suas capacidades de sobrevivência. Estes herbívoros foram utilizados durante décadas como animal de carga e trabalho, e podem ser considerados, atualmente, como os protetores das florestas ao alimentarem-se dos matos que propagam os incêndios. Apesar da sua força, é ironicamente uma raça perigosamente próxima da extinção, como indicam as primeiras falas desta curta-metragem acerca de um cavalo Garrano, forçado a trabalhar perante um sol ardente, para um homem e o seu jovem filho Joel.

“O meu pai dizia que eles eram selvagens como o fogo.”

Realizado pela dupla David Doutel e Vasco Sá, responsáveis pelas curtas-metragens premiadas Agouro (2018) e Fuligem (2014), Garrano é uma nova obra de animação que marcou o seu nome no Festival Curtas Vila do Conde 2022, como vencedora do Prémio do Público SPA para melhor filme da competição nacional. 

Uma história melancolicamente assombrosa que examina temas metafóricos cativantes, mantendo as suas ideias abertas para o público decifrar de forma independente. Desde a posição do trabalhador sobre o capitalismo, avistado nos dois protagonistas isolados da sociedade, e na própria figura deste cavalo criado para ser livre mas preso em circunstâncias desoladoras, até ao desrespeito humano por uma terra que classificamos como casa, apesar de não nos pertencer. São estas concepções envolventes, criadas por Doutel e Sá, que atraem o espectador a habitar neste pequeno e avassalador mundo, semelhante ao nosso, durante 15 trágicos minutos.

Complementado pela violenta e majestosa edição de som e pela banda sonora soturna de Jonas Jurkūnas, esta co-produção entre Portugal (BAP – Animation Studio) e Lituânia (Art Shot) pinta o seu texto numa animação absolutamente poderosa, que recorda o estilo rotoscope – uma técnica utilizada para recrear ações realistas ao desenhar sobre frames de filmagens live action – alinhando este formato com traços tradicionais, onde o movimento reina sobre o espaço, projetando um caráter de iluminação nas suas personagens que aparenta um fogo descontrolado, mesmo estando imóveis, e aproximando cada imagem da moção das chamas de um incêndio. Os visuais potentes perseguem as memórias da sua audiência, como um close-up no olho de um cavalo ou o simples acender de um fósforo, e expressam o excelente comando técnico e narrativo de Garrano, no género da animação.

Enquanto David Doutel e Vasco Sá se aventuram no seu próximo passo pelas longas-metragens de animação, Garrano apresenta-se como um espécime a observar com respeito e admiração, como o próprio cavalo representado nesta incrível história. Uma narrativa pequena e impetuosa, salientada de imediato com somente um olhar e moldável o suficiente para caminhar por diversos espaços dentro deste género cinemático; domável às mãos dos seus realizadores, mas sempre livre.

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