Framing Britney Spears (2021)

de Marco Sardinha
framing-britney

Framing Britney Spears (2021) de Samantha Stark não é um thriller psicológico que conte com Britney Spears no principal papel – ao contrário do que este título nos possa erradamente levar a assumir -. 

É ao em vez disso um documentário produzido pelo The New York Times para a FX e HULU (que é em realidade só um episódio de uma série – de documentários – intitulada “The New York Times Presents” (2021)) num registo descomplicado e claramente polémico – e penso o posso dizer a partir do momento em que o vejo referido no rodapé da RTP3, e numa reportagem da TVI24, – sobre a ascensão, queda, e actualidade da princesa da pop, personagem mediática tão incontornável. O documentário é também um testamento colorido do quão desconfortável o passado recente pode chegar a parecer – atenção que “desconfortável” é também um eufemismo colorido para não chegar mesmo a dizer “cringy” -, já que neste trabalho do New York Times podemos ver, entre tantas outras coisas, uma série de desconfortáveis exemplos experimentados em primeira mão pela estrela, ao longo dos tenros e também mais tardios anos de carreira.

Eu não sou um conhecedor de “Britney Spears”. Há coisas que conheço bem, mas certamente “Britney Spears” não é uma delas. Contando eu com 30 Primaveras no meu bolso, não posso obviamente fingir que o fenómeno da pop me é alheio.  E posto isto, não vou mentir: já cantei por várias vezes, e em variados momentos, clássicos intemporais como “Oops… I didi t again!”, “Hit me Baby One More Time” ou “Toxic” – sem o menor pingo de vergonha -. Mas lá está: não sou um conhecedor, e deste modo, e nesta condição, há obviamente um conjunto vasto de coisas acerca do fenómeno que me passam completamente, como por exemplo: a “conservatorship” da Britney Spears e do movimento #freebritney – que nada tem que ver com o #metoo  – que pelos fãs apela ao fim deste pesadelo legal para a estrela.

Conservator” é uma forma bonita e cosmopolita de dizer “tutor legal” ou “guardião”, que em grande parte dos casos é o papel tomado por alguém que supervisiona um outro alguém que não se encontre no pleno das suas capacidades, ao ponto de precisar de ter alguém a tomar as decisões por si, com controlo integral do seu património. Mas bem, se a justaposição da bela palavra “conservatorship” com “Britney Spears” parece atípica, à luz do documentário em questão passará a parecer cem porcento razoável, já que todo o conteúdo orbita indirectamente em torno deste ponto: o que fez com que isto se passasse; o que se passou até se chegar a isto; o porquê de ainda se passar; e a possibilidade de isto deixar a vir de se passar.

Parece estranho, achar que uma pessoa jovem, bonita, talentosa, com sucesso e aclamação – e difamação também – pública, possa estar legalmente equiparada a um octogenário com uma doença degenerativa, ou alguém que possua um handicap mental… Mas no contexto da cronologia apresentada por este simpático e facilmente digerível documentário (sim, porque francamente, não acho que seja mais do que uma coletânea bem assemblada de testemunhos diversificados e de páginas de tabloides, sem um assim tão aprofundado trabalho jornalístico), esta suposição – que aliás não digo que esteja, ou não, certa… -, pode parecer perfeitamente encaixar na esfera do razoável, por razões que podem ser mais ou menos evidentes para quem o escolha ver.

Nesse aspecto aliás, tiro o chapéu proverbial ao The New York Times, por ter tido a integridade (jornalística) de conceber uma peça que é exclusivamente informativa, rejeitando desse modo tomar partidos. É, como disse, um simpático e facilmente digerível documentário que tem a dose certa de mediatismo em alguns dos temas que escolhe abordar: o pai; os exs; os paparazzi; o estrelato; os fãs; a hipersexualização; a imagem; Problemas reais e vagamente relacionáveis – quem nunca teve um problema com um ex? -, mas cujas implicações acabam por ser bem diferentes, já que o peso da fama agrava de maneira forte, e clara, as suas consequências.

Mas mais do que toda esta litigação com o pai apresentado nos conformes de um vago courtroom drama, “conservatorships” indevidos com “hybrid business models”, comentários misóginos em rádios de ex que também são estrelas da pop – *cough* JUSTINTIMBERLAKE *cough* -, ou retratos de grupos de fãs fervorosos que parecem roçar o maníaco, Framing Britney Spears trata uma desconstrução do fenómeno social e mediático do que é a “Britney Spears”, e onde o takeaway principal dos seus 94 minutos é o de que o insaciável culto da celebridade surte efeitos desconcertantes a longo prazo, já que uma existência com esse tipo de exposição simplesmente não é uma existência normal – e convém não esquecer que ainda que não pareça: a Britney Spears também é uma pessoa “normal” (ainda que não viva uma vida “normal”) -.

Ter 15 minutos de fama já não algo que me pareça ser muito bom.
Imaginem agora: 12096821,618 minutos (o número de minutos que correspondem aos 23 anos a que a “Princesa da Pop” está na ribalta. Eu fiz as contas).
#FREEBRITNEY
Mas não da ribalta.
Só da “conservatorship”.

Uma história de controlo, identidade, e “Britney Spears”.
Bom para ver, menos que não seja para se poder falar.

3/5
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