John Carney é o primeiro nome a reter quando falamos de Flora and Son. Realizador e argumentista, conseguiu a proeza de juntar mais um filme envolvente no registo musical, depois de Once (2007), Begin Again (2013), e Sing Street (2019). Nas próprias palavras do realizador irlandês “Sing Street foi uma homenagem aos irmãos. Flora and Son é uma homenagem às mães”.
Flora (Eve Hewson) vive com o seu filho, Max (Orén Kinlan), num ambiente conturbado e instável. Um dia, Flora encontra uma guitarra no lixo, que traz consigo um possível elo de ligação entre mãe e filho.
Dublin é a cidade onde toda a trama se passa (à excepção de L.A. via zoom), e pode dizer-se que é uma personagem nesta história. Tal como em Sing Street, John Carney capta a essência do que imaginamos de Dublin, na forma crua e desbocada como falam os seus habitantes, o que provoca situações constrangedoras mas também engraçadas. Flora é a pessoa ideal para representar isso mesmo, numa performance imaculada de Eve Hewson. A actriz está num ponto de ebulição na sua carreira, e pode ter dado aqui um passo para a vermos com mais frequência no grande ecrã. Todas as nuances estão lá: uma mulher que engravidou aos 17 e por isso se sentiu privada de viver os seus “vintes” como bem queria, o apego por Max mesmo que maioritariamente demonstrado da pior maneira, a mulher que se sente carente, que ainda não esqueceu o marido, mas sobretudo, a mãe que debaixo de toda a frustração, está preocupada com o filho.
Orén Kinlan, um jovem de 16 anos, naquele que é o seu primeiro grande papel, faz tudo parecer simples. O seu Max é um rapaz à deriva, mas sem nunca nos dar a sensação de ser um caso perdido, há algo no seu olhar que nos chama para a expressão “é um bom miúdo, só está a passar por uma fase complicada”. Joseph Gordon Levitt surge na história para levar Flora até à sua melhor versão, e no filme para o ajudar a vender. Grande parte das suas cenas são passadas num ecrã do computador, enquanto está sentado com uma guitarra, mas todos os momentos do seu Jeff são de um tremendo charme, e contribuem fortemente para a emoção de alegria que sentimos quando ele e Flora cantam juntos, e para nos relembrar que a música consegue ser um fio invisível que nos liga à vida uns dos outros, além da nossa.
O tom do filme é sempre coerente, os assuntos tratados no enredo são duros e pesados, mas nunca sentimos esse peso na mente (ou nos olhos), sem que para isso se destrate ou desvalorize a seriedade dos mesmos assuntos. Há comédia na sinceridade das palavras menos simpáticas trocadas entre pessoas que se amam, ou na aniquilação de filtros e do politicamente correcto. Somos levados do riso à lágrima no canto do olho, e em momento algum precisam de nos agarrar pelo braço para isso. Vamos de livre e espontânea vontade, porque queremos conhecer melhor estas pessoas, e ouvir mais música que nos faz acreditar que nós também nos podemos expressar através de um instrumento e escrita.
Flora and Son é mais uma preciosidade da mente de John Carney; uma nova melodia para os nossos olhos e ouvidos, com uma camada materna não ortodoxa mas que nos atinge no ponto certo. Tem alma, verdade, elenco à altura do argumento, e música agradável. Não sei qual será o destino do filme a nível de lucro e mediatismo, no entanto de qualquer das formas, quem o visualizar ficará com as personagens consigo para lá dos créditos finais.