First Reformed é da responsabilidade do tão amado (pode ser lido com ironia ou não) Paul Schrader, que para além da realização ficou também a cargo do seu argumento. Até este ponto, como argumentista, Schrader já tinha dado provas suficientes da sua qualidade e visão ímpar, algo que não tinha acontecido como realizador. Aqui, conseguiu provar que é capaz de fazer algo tão intrigante com o seu próprio material, como os seus pares conseguiram fazer com as suas escritas.
Em First Reformed, o Pastor Ernst Toller (Ethan Hawke), combate contra o desespero quando a amizade com um ambientalista radical, Michael (Philip Ettinger), e sua esposa, Mary Mensana (Amanda Seyfried), o fazem reviver traumas do passado, ao mesmo tempo que tem que lutar pela sua saúde e lidar com a dura verdade sobre a forma de financiamento da sua igreja.
Com um visual bastante contemplativo e frio, Schrader dá uso a esses recursos para criar um ambiente que grita presságio, e usa a simetria para contar o momento da história em que estamos, à medida que os eventos vão ficando cada vez mais caóticos e as coisas parecem ficar cada vez mais fora do enquadramento, criando desde logo uma sensação de desconforto constante. Algo que ajuda a amplificar a tensão é o uso do aspect ratio de 4:3, causando claustrofobia, principalmente nos momentos de confronto, quando o realizador cola a câmera na cara dos atores e deixa-os debater por tempo suficiente para deixar qualquer um constrangido.
O seu protagonista, Ernst Toller, é um homem que mostra à superfície ser carinhoso e inteligente, mas que, no fundo, guarda cicatrizes emocionais bem profundas. O interessante é que a audiência percebe que aquele homem tem um passado sombrio, porém, inteligentemente, Schrader cozinha o interesse lentamente e vai revelando-o aos poucos, não tanto através da exposição, mas através da forma como Toller lida com os seus pares. Amanda Seyfried tem também uma prestação de louvar, começando como uma simples personagem, mas que com o passar do tempo vai ganhando camadas e relevância na história, tanto no seu próprio arco como também do nosso protagonista.
São quase duas horas de filme que se fazem sentir, maioritariamente porque o realizador optou pela utilização de planos longos quase detalhistas focados em objetos, e até estende cenas para lá do normal, atingindo o objetivo de criar um constante sentimento de desconforto. Deixa a sensação que alguns planos poderiam ser mais curtos, por se tratarem de cenas que trabalham para justificar esse efeito tanto na criação de ambiente como para a narrativa em geral. São pequenos detalhes que o deixariam menos “maçador”, mas pode-se argumentar – e bem – que esse sentimento faz parte da experiência e, até certo ponto, não tenho como discordar.
First Reformed é Paul Schrader no seu melhor. Um argumento no ponto certo que aborda problemas atuais pertinentes – como ambientalismo, hipocrisia no clero, corrupção, moralidade e culpa – de uma forma subtil, através de um protagonista que carrega o peso dos seus demónios aos ombros, ao mesmo tempo que tenta gerir a sua igreja e aqueles que a comandam.