Lembro as inúmeras manhãs de fim-de-semana a ver documentários com a chancela da National Geographic. O deslumbramento com a beleza e o poder da natureza eram uma constante e ansiava pela semana seguinte para conhecer e aprender mais. Especialmente os fenómenos geológicos ou o passado da história do planeta, como os dinossauros ou a pré-história. Foi também essa uma das razões por optar pelo ramo das ciências – mais precisamente no ramo da Geologia, que ainda hoje me fascina. Nesta altura as imagens e as explicações científicas chegavam e pouco mais era preciso.
Com excepção do saudoso David Attenborough, muitas vezes, nem conhecíamos quem estava por detrás das imagens ou das inúmeras horas, e trabalho, necessárias para as obter. Com o advento da internet e do acesso fácil a estas imagens, por todos, surgiu um câmbio neste género de documentários. Cada vez mais emergiram estrelas na área da divulgação do mundo natural e existe, então, um maior interesse em promover as histórias por detrás dos seus intervenientes. É aqui que entra Maurice e Katia Krafft, verdadeiras superestrelas da vulcanologia, arrisco mesmo dizer “Rockstars” da ciência, que viveram, única e exclusivamente para a divulgação do mundo dos vulcões. Sara Dosa cria, com este Fire of Love, (Vulcão – Uma História de Amor, em português) a sua história e o papel que, a sua obsessão e relação amorosa, tiveram na mudança de percepção, do público em geral, com a vulcanologia e o poder destrutivo dos vulcões.
Logo, nessa primeira frente, as inúmeras imagens de arquivo recolhidas pelo casal Krafft são o principal ponto a favor da existência deste documentário. As cores, as texturas e mesmo os cheiros parecem passar do ecrã para fora, tal a proximidade com que nos surgem. A imensidão do mundo natural vs a pequenez humana são sempre o destaque nas imagens escolhidas, um aspecto muitas vezes esquecido por nós, no dia-a-dia, tal a distância que é cada vez maior na nossa relação com o mundo natural. Passa uma sensação de sermos bem mais insignificantes do que realmente somos, um mero grão de areia, (literalmente) quando vislumbramos mais um vulcão a entrar em erupção. Esses grãos de areia nos planos são geralmente Maurice e Katia que dominam o filme, tanto como os vulcões.
A história do casal, ou do seu impacto na divulgação e conhecimento dos vulcões, é possivelmente desconhecida para um público geral, e é interessante a perspectiva dada para além da ciência com a introdução de momentos da vida pessoal e do conflito resultante da sua relação, muitas vezes a “entrar em erupção” como o próprio Maurice admite, de modo jocoso. Maurice é o principal instigador do conflito, com os riscos irreflectidos que corre, várias vezes mesmo quando aconselhado a não os tentar. Essa necessidade de provocar e de testar os limites de Maurice, mas a que Katia não está imune também, dá ao documentário uma aura de tragédia inevitável, face ao poder e à falta de conhecimento de muito do que se passa no interior do manto terrestre.
O foco na sua relação amorosa é constante mas não tem o impacto esperado e distraí bem mais do que contribuí para a relevância do casal na mudança de mentalidade dos decisores, esta apenas reforçada no capítulo final, como que a necessitar de dar um significado à sua morte quando o foco devia estar na contribuição que a sua dedicação, em vida, teve na mudança de paradigma, de um assunto que era considerado como aleatório e por isso não passível de ser estudado ou analisado. A estrutura temporal linear e uma edição a jogar pelo seguro (com excepção de algumas sequências animadas de esquemas geológicos – mas em pequeno número) não ajudam a tornar este documentário essencial para quem não se interessa por geologia.
Com a chancela da National Geographic, Sara Dosa revela o incrível mundo dos vulcões, mas também o seu imenso poder destrutivo, pelos “olhos” de Maurice e Katia Krafft – verdadeiros “Sciencestars”. Ficam as imagens, os sons e acima de tudo o “calor” desses imensos gigantes adormecidos, sempre a um passo de “acordar”, e de um casal que mudou a sua percepção marcando a importância de os estudar em pormenor. Essencial para os amantes de geologia e do mundo natural.