Deambula pelo filme uma personagem com cara de macaco. Não é dado qualquer explicação ou razão para a sua presença e é apresentado como uma personagem real, parte integrante da cidade de Setúbal. Não fala ou emite qualquer som mas dança como se não houvesse amanhã. Todos interagem com ele como se fosse família ou pelo menos parte da sua vida desde há muito tempo. Mas não passa de uma criação da mente de Rui Paixão e Dona Edite inserida num projecto chamado “Rota Clandestina” apoiado pela própria Câmara Municipal de Setúbal.
Realizado por André Costa, Fato Macaco é um documentário ficcionado que acompanha a vida de um artista de rua (com uma máscara de um macaco – interpretado por Rui Paixão) que vagueia pela cidade de Setúbal e a apresenta sobre a sua singular perspectiva, de uma personagem de ficção a viver a sua realidade. Reflecte sobre a vida de alguns bairros da cidade de Setúbal como o dos Pescadores e do Grito do Povo e de como as lutas do passado marcaram as condições laborais das gerações presentes e futuras.
A homenagem sentida ao povo setubalense é a mensagem mais vincada neste filme. Consegue-o através da introdução e apresentação de habitantes locais excepcionais na sua intransigência e dedicação na proteção dos direitos do comum dos cidadãos. Tudo isto acontece de um modo muito sui generis, com a presença de Rui Horta (sempre com uma máscara na cara) e com os cidadãos homenageados a partilhar a sua história ou talento da forma mais natural perante a presença de tal personagem. O que se estranha no início, por não estarmos habituados a documentários de ficção por terras lusas, acaba por ter uma progressão que humaniza cada vez mais esta personagem e a torna mais um habitante de Setúbal. Outra ideia relevante retirada do filme é a da precariedade dos artistas de rua, que sobrevivem de esmola em esmola enquanto habitam em condições deploráveis. E apesar de isto ser bem visível no filme mais notória, ainda, é a alegria que espalha e quão bem recebido é por todos com quem se cruza. Tudo graças ao carisma de Rui Horta e da sua boa disposição e aptidão para a galhofa. Essa preponderância da sua personagem acaba por eclipsar algumas das personalidades e das histórias que vamos conhecendo de homens e mulheres marcantes da cidade como Mariana Torres, António Mendes e Jaime Rebelo, todos eles parte de momentos de revolta popular na busca de melhores direitos para os trabalhadores e reprimidos com uma força desproporcional e de uma violência extrema.
Visualmente opta por filmar num misto de câmara fixa para as entrevistas e nos momentos chave de revelação da personagem de Rui Horta enquanto nos momentos de descontração a escolha recaí na câmara handheld do operador para dar uma sensação de filme caseiro, mais próximo do coração. O uso de luz é a do ambiente natural o que acaba por trazer problemas de clareza em algumas filmagens nocturnas. Essa mesma fragilidade sente-se na mixagem de som e em certos momentos onde as vozes e os sons não são tão perceptíveis. Referência ainda para a eclética escolha musical mostrando a diversidade e inclusão de um projecto que é de todos e para todos os setubalenses.
Fato Macaco mostra o passado combativo do povo trabalhador setubalense perante a injustiça e opressão dos que o governam através do olhar de uma criatura com uma máscara de macaco criada por um inspirado Rui Paixão (dos Holly Clowns) e Dona Edite. No final dos 48 minutos partilhamos, com ele, as suas emoções através de muito riso e umas poucas lágrimas tornando-nos, a nós também, setubalenses.
Ps: Este crítico não resistiu a uma dose de choco frito após a visualização deste filme.
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[…] dimensão. É encontrar ideias, temas, histórias, onde ninguém procura. Na criação intitulada Fato Macaco, Holy Clowns/Rui Paixão e Dona Edite reúnem-se para elaborar uma produção única inserida no […]