Falling (2020)

de Rafael Félix
Falling

Na promoção da sua primeira aventura atrás da câmara – mas não necessariamente a primeira tentativa segundo o próprio –, Viggo Mortensen veio agraciar o Tivoli BBVA e o público do LEFFEST, na sua graciosidade habitual e com um espanhol invejável – sim, porque tuga que é tuga percebe espanhol portanto acabou por dispensar as traduções necessárias se a conversa fosse na língua de sua majestade –, apresentou Falling, escrito e realizado pelo ator americano e que tem vindo a circular em alguns festivais europeus, recolhendo algumas reações tépidas espalhadas pelo Velho Continente. Com alguma razão. Reforço o alguma.

Acompanhamos Willis Petteson (Lance Henrikson), septuagenário com Alzheimer, homofóbico, racista, mal-educado, cruel e amargurado, na sua visita a casa do filho, John (X), homossexual, casado com um asiático, com uma filha hispânica e consideravelmente feliz e em paz. A doença degenerativa torna Willis imprevisível, desorientado, e belicoso para com os seus filhos e aos arrependimentos de uma vida pouco gentil. Associando isto aos estilos de vida completamente contraditórios entre ele e John, tornam esta visita uma panela de pressão que começa a apitar bem alto quando ambos são obrigados a encaram um passado que nenhum dos dois tem ânsia de recordar. 

E esta dinâmica é bem capturada, pelo menos conceptualmente. O filme passeia-se pelas memórias de John e Willis através de montagens desconexas que se entrelaçam abruptamente com o presente, quando a sua relação de hoje parece espelhar aquela que haviam tido 40 anos antes. Há também algumas escolhas de montagem interessantes na forma como os flashbacks de Willis são intencionalmente incoerentes e pautados por música – da responsabilidade Mortensen – que vagueia entre o fragmentado e o estranhamente poético, que dá a todo o filme um abraço de boas intenções. 

Dito isto, também vale a pena reforçar que Falling é tanto sobre “ser pai”, como é sobre comunicação. Ou seja, torna o diálogo, as trocas de ideias, os gritos e as frustrações e excessos linguísticos uma peça absolutamente crucial para que o filme resulte em pleno. E é também exatamente nesta peça-chave que o argumento de Viggo Mortensen peca astronomicamente e a diferentes níveis. Há liberdades tomadas com a linguagem que Willis utiliza que roçam o excessivo e a mesma parece quase rocambolesca quando emparelhada com a performance de Mortensen que usa e abusa do cliché e estereotipo da personagem homossexual, não só no verbal, mas também na linguagem corporal com maneirismos forçados que tornam o papel de tal forma peculiarmente banal e supérfluo que se torna alienada de todo o seu redor. Com isto, Lance Henriksen, que faz um trabalho extraordinário, diga-se, fica com a responsabilidade de carregar um filme sozinho, filme esse que quer estudar a comunicação entre gerações, entre pai e filho, entre mundos diferentes, mas onde falta certos retoques importantes para conseguir lidar com temas tão difíceis como os presentes. 

Temos uma realização bastante competente e com uma certa subtileza poética a lidar com estes temas difíceis; com a solidão de quem já não está “completamente aqui” e uma construção de personagem consideravelmente complexa em Willis, que é, de todas as formas, uma besta, mas Falling, nunca tentando defendê-la de forma nenhuma, consegue criar uma certa empatia macabra com a mesma, e isso não é algo que se deva ignorar de forma nenhuma.

O que se conclui é que – e é verdade que é cedo para dizer – os talentos de Mortensen talvez estejam mais atrás da câmara no que propriamente na secretária a escrever o argumento. Ou pelo menos tem de arranjar alguém que lhe acerte os diálogos. Dito isto, ficou a ideia de que o filme podia ter sido mais do que aquilo que foi, o que, pode ser visto como algo parcialmente positivo. 

3/5
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