Durante a conferência de imprensa do 73º Festival de Cannes, o realizador Aki Kaurismäki arrancava gargalhadas dos jornalistas ao entregar respostas curtas, porém sinceras, sobre o processo de criação do seu novo projeto: Fallen Leaves. Algumas das sua respostas consistiram em escrever o guião em 30 horas e que a sua inspiração foi o seu “subconsciente”. Essas informações poderiam transparecer como uma espécie de descaso, porém, elas só reafirmam o domínio que Kaurismäki possui sobre a sua arte e como as suas produções são genuinamente autorais. Não por menos, o filme conquistou o prémio do júri neste evento, cativou a crítica especializada e mostra um lado otimista do cineasta sobre a humanidade, pouco visto na sua filmografia.
A história é situada na Helsínquia, contudo, mostra a realidade pobre e marginalizada da capital finlandesa pelo ponto de vista de duas personagens. A primeira é Ansa (Alma Pöysti), que não consegue encontrar um emprego estável, pois os mesmos exploram os seus empregados ou os donos estão envolvidos em situações ilícitas. A segunda é Holappa, um homem alcóolico que também se encontra numa situação precária de trabalho. Ambos possuem mais de 40 anos e aparentam ter um trajeto pouco feliz nas suas vidas financeiras, pessoais e amorosas. Os dois conhecem-se brevemente num bar e sentem uma atração um pelo outro, compartilhando pequenos momentos de felicidade onde antes habitava a solidão.
As personagens de Fallen Leaves desenvolvem este distanciamento emocional profundo por causa da pobreza solitária em que vivem e por ouvirem notícias trágicas na rádio sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, afetando estas ao ponto em que ficam mais parecidas com as máquinas das fábricas onde trabalham do que seres humanos. Existem poucos diálogos trocados entre as pessoas neste filme e nenhum sentimento transparece nos seus rostos, embora as atuações sejam tão extraordinárias que podemos sentir a profundidade dos conflitos internos de cada um dos envolvidos. A relação entre Ansa e Holappa é um completo encontro e desencontro entre eles por causa dos seus contextos emocionais e sociais, já que ambos terminam o primeiro encontro e não sabem sequer o nome um do outro. A beleza de como a história é contada é que eles não estão apenas a conhecer um ao outro, mas também a conhecer eles próprios nesta jornada afetiva.
Nas obras de Kaurismäki – Ariel (1988), I Hired a Contract Killer (1990) e The Match Factory Girl (1990) -, é perceptível algumas características que estão sempre presentes nos seus trabalhos, e Fallen Leaves não é diferente. Além da economia de diálogos e as personagens apáticas, os planos são preenchidos por informações muito singelas que constroem rimas narrativas entre a estética do filme e a sua história. Nas sequências onde vemos personagens a beber num bar, é notável o enquadramento entre as pessoas na mesa da frente e na mesa de trás, criando uma sensação de escala e profundidade no quadro. Mesmo que estas personagens não digam nada, e não conversem entre si, a mensagem que a imagem nos passa é que cada um dos representados está enterrado em sentimentos que nem eles mesmos conseguem entender, muito menos expressar.
A banda sonora está tão presente na narrativa que esta quase se materializa como uma personagem central. Os protagonistas e o elenco secundário procuram constantemente por músicas nas rádios ou por ambientes com Karaoke ou um show ao vivo. Mesmo a maioria das letras destas músicas falam de sentimentos pouco acalentadores, como a solidão e a vontade de querer desaparecer do mundo. O cinema também está muito presente nesta obra, a servir de ponto de encontro precioso entre as duas personagens; um lugar onde conseguem exercitar os músculos das suas emoções e aumentar a conexão umas com as outras. É como se a arte, nas suas variadas formas, conseguisse perceber as personagens mais do que elas próprias se percebem.
Fallen Leaves mostra um olhar otimista do seu realizador em relação ao amor, mesmo mantendo uma crítica feroz para com o capitalismo industrial decadente. A jornada de encontros e desencontros entre as duas personagens é cativante de uma forma irreverente e tragicómica, proporcionando momentos de profunda reflexão sobre relações que sofrem por causa da solidão e problemas estruturais da sociedade.