Fabian: Going to the Dogs (Fabian oder Der Gang vor die Hunde no seu título original) começa com um travelling por uma estação de comboio, numa visão tremida. Será propositado? Fabian está em busca do seu destino, olhando para a esquerda e para a direita, sem saber para onde ir. Distorções sonoras acontecem pelo caminho e aumentam de som gradualmente, dominando os nossos sentidos até querermos que estas parem. Desvanecem-se lentamente até ficarem em mono e compreendermos que Fabian está perdido na vida. Rapidamente somos invadidos por imagens de arquivo de uma Alemanha, dos anos 30′, também ela perdida, em pleno declínio moral. “Going to the Dogs”, como diz o título do filme, questiona se existe salvação possível. Talvez no amor?
Baseado na obra Fabian – A História de um Moralista (Fabian. Die Geschichte eines Moralisten de 1931), de Erich Kästner e realizado por Dominik Graf, o filme acompanha a vida de Fabian (Tom Schilling), um copywriter de uma empresa tabaqueira, com o sonho de ser escritor. Acompanhado pelo seu amigo Stephan (Albrecht Schuch), que deseja ser um académico, os dois passam o tempo juntos nos bares e bordéis da cidade. Fabian é um protagonista desiludido com o amor, até conhecer Cornelia (Saskia Rosendahl), a sua “alma gémea”. Se isto fosse a habitual comédia romântica, o casal iria encontrar obstáculos no seu caminho mas o amor prevaleceria e acabariam juntos para sempre. Tudo muito bonito se isto fosse uma comédia romântica normal, mas não é; nem sei se é uma história sobre amor. “Love is a hobby for which you use your body” – esta citação do romance, reforça precisamente essa ideia.
É uma história sobre moralidade no tempo mais amoral da história da humanidade, no período de ascensão do Partido Nacional-Socialista dos trabalhadores Alemães, mais conhecido por Partido Nazista. A Alemanha, pós primeira grande guerra, é um país em ruínas com um descontentamento maioritário na sua população devido ao desemprego maciço, o Tratado de Versalhes (1919) e a Grande Depressão de 1929 que resultou na alta burguesia, empresários e clero (com o receio de uma revolução socialista), a apoiar a extrema-direita, em que o Partido Nazista se inseria. Um aspeto refletido nesta citação do argumento: “Sensatez e poder são incompatíveis” – não podem andar de mãos dadas.
A situação política surge nos momentos do dia-a-dia e afeta gradualmente Fabian e todos os que o rodeiam, começando de maneira subtil mas sempre presente. Desde os traumas de Fabian provenientes da Primeira Grande Guerra, até aos olhares de lado, num café, para os indesejados da sociedade ou a censura que aos poucos começa a dominar o meio académico. Os tentáculos do nazismo começam a chegar a todo o lado e ninguém está a salvo, muito menos a moralidade.
A moral é a principal atriz do filme. Como manter a moral num mundo cada vez mais amoral? É essa a pergunta que atravessa todo o filme. Ao conhecer Cornelia, Fabian recupera a moral num mundo que começa a esquecer enquanto Cornelia caminha em sentido inverso. O que é preciso fazer pelo sucesso? É possível ter sucesso e manter a moralidade ao mesmo tempo? A moralidade é cega. Graf repete-o nos pormenores e a viva voz com a frase “As boas ações ficam para quem as pratica”; elas não têm audiência para lá de nós próprios e são invisíveis na sociedade. Fabian é constantemente testado neste conceito.
Meret Beckner (Irene Moll) fica na memória como a amante obcecada por Fabian, testando-o a toda a hora nos seus momentos de maior fraqueza, quando nada tem para viver. A atriz interpreta uma mulher que redescobre o seu poder através da sexualidade, livre das amarras do marido sem capacidade para a satisfazer, e deixa uma marca no seu pouco tempo de ecrã: que nem sempre os considerados amorais pela sociedade são os seus piores elementos. Os marginalizados e amorais da sociedade Berlinense da década de 1930 acabam por ser os heróis do filme, os good guys/girls numa sociedade que começa a falhar como um todo, onde a sensatez e a decadência humana escorrem pelo cano abaixo como uma Sodoma e Gomorra dos tempos modernos.
O amor é o ator secundário, presente no desespero e na alegria, principalmente em Stephan, um eterno romântico em constante sofrimento quando sorri, brinca ou quando deveria estar feliz. Um bom coração não evita o sofrimento, e Albrecht Schuch consegue mostrar-nos isso mesmo ao abençoar a união de Fabian e Cornelia; os seus olhos não mentem e acreditamos neles.
Fabian e Cornelia amam de forma diferente e isso apavora Fabian, mencionando a certa altura: “De noite sonho que a perco. Tenho vergonha desse medo.” Cornelia não é um “anjo” nem deseja ser porque é uma alma livre, em busca de sucesso como atriz; o amor é secundário na sua vida. “Será possível eu amar-te um dia?” – É uma pergunta para Fabian, partilhada pela audiência e pela personagem.
“Viajamos todos juntos, com eles, no mesmo comboio; olhamos para fora e já vimos o suficiente. Viajamos juntos no mesmo comboio e não sabemos quando chegamos ao destino.” Poderia ter sido eu a escrever isto mas não foi o caso. Erich Kästner é responsável pela frase, no seu livro. É ele o nosso narrador. Pelo menos para mim.
O inicio caótico, exacerbado pelas imagens de arquivo, é como um constante trocar de linhas que confunde o espetador. Dominik Graf acaba por encontrar a “linha certa” na moralidade de Fabian e na sua defesa intransigente da mesma. Não se iludam e abram os olhos, pois o passado está mais perto de nós do que julgamos. É fácil cair na mesma armadilha de que tudo está bem. Aconteceu nos anos 30′ em Berlim e pode acontecer em qualquer outro lugar ou tempo. Se um filme consegue fazer-nos pensar nisso já cumpriu o seu objetivo.