F1: The Movie (2025)

de João Iria

“If getting to drive that car is the last thing I do, I will take that life, man.”

Brad Pitt quer o seu Top Gun: Maverick (2022). Pode parecer uma comparação injusta mas é impossível escapar de Tom Cruise neste filme, curiosamente desprovido de Tom Cruise. Afinal, F1: The Movie (péssimo título, risível) dedicou imenso da sua publicidade a recordar a sua associação com esta sequela de legado; a sua equipa técnica parece que desceu de paraquedas para um carro de corrida: o realizador Joseph Kosinski, o argumentista Ehren Kruger, o produtor Jerry Bruckheimer, o director de fotografia Claudio Miranda, o compositor Hans Zimmer, aterraram todos na estrada excepto Cruise e o seu parceiro criativo Christopher McQuarrie – o que explica o ingrediente em falta nesta narrativa. É uma escolha comercialmente lógica, pois este foi um dos maiores sucessos financeiros e críticos de sempre, portanto, naturalmente, até uma obra sobre um lobo falante apaixonado por uma ovelha iria aproveitar esta conexão nos seus posters e trailers. Contudo, o piloto da Marinha persegue o filme além do marketing, está no argumento, produção e na realização. Após o champagne ser despejado, fica impossível negar que Brad Pitt encara esta longa-metragem como o seu Maverick.

Uma história de underdogs, comebacks e teamwork, F1: The Movie é o blockbuster do ano para pais distantes dos seus filhos, que adoram assistir televisão em pé e com as mãos na cintura. Brad Pitt entrega combustível suficiente no seu deslumbrante rosto, similar a uma escultura de mármore, e no seu charme afiado, apto para maravilhar sem tocar, para atrair o entusiasmo de uma multidão, digna do Schumacher, disposta a esquecer as suas responsabilidades enquanto absorvidas neste emocionante racing western sobre Sonny Hayes (Brad Pitt), um antigo piloto de fórmula 1 que desapareceu dos circuitos depois de um trágico acidente. Apesar dos danos físicos e psicológicos, Hayes não consegue abandonar as corridas, habitando numa caravana (literalmente a viver na estrada) e seguindo de pista para pista, sem objectivos além de uma vontade de simplesmente conduzir. Uma rotina supostamente eterna para o ronin da estrada até reencontrar Ruben (Javier Bardem), um antigo colega agora dono de uma equipa de F1, sem vitórias e prestes a ser desmantelada, que oferece uma inédita oportunidade a Hayes de regressar ao seu mundo e, esperançosamente, salvar esta marca da desgraça e resgatar o seu nome.

No entanto, o glorioso retorno prometido parece demasiado distante no mapa do cockpit cowboy, constantemente referido como “o melhor que nunca foi”, agora confrontado com a ferrugem metafórica de uma equipa desfavorecida à beira de ser despedida, uma “shitbox” em rodas e o seu novo colega, Joshua Pearce (Damson Idris), um novato imprudente que recorda Sonny da sua juventude, e da arrogância que motivou o seu acidente. O clássico conto de um homem derrotado a lutar pelo seu merecido louvor enquanto guia a sua “antiga” pessoa pelo ruído, irrompe pelas faixas como uma disputa veloz e combativa entre o passado e futuro, comandada por um vai-e-vem narrativo indeciso que derrapa pelo drama interno das suas personagens com um apetite por destruição e espectáculo. A viagem é em conjunto mas existe sempre uma sensação de ideias abandonadas, entre os acidentes de viação, como partes varridas para deixar o restante rumo limpo até à meta final.

Admito que não percebo nada de fórmula 1, Nascar, Velocidades Furiosas; para mim o Vin Diesel é uma rocha que ganhou vida e que maravilhou Hollywood através do acto mágico de um rochedo conseguir pronunciar palavras e o Lewis Hamilton é um sabor de Monster. Quero deixar estabelecido que, por mais pesquisa realizada antes e depois desta visualização, não partilho o conhecimento ou a paixão que os seus admiradores possuem. Carro faz vroom vroom é a minha capacidade mental. Contudo, posso afirmar que consegui sentir o motor no assento, e presenciar a beleza do seu engenho e a feroz operação técnica deste desporto em F1: The Movie. Os seus incríveis visuais detêm uma autenticidade impressionante (o que Kosinski fez com os céus em Maverick é replicado nesta estrada), a sua potente sonoridade infiltra-se no nosso corpo, a fantástica composição musical electrónica providencia um turbocompressor à história, e o seu ambiente cool cria uma vontade de meramente fechar os olhos nesta condução, apreciando a emoção e a adrenalina da velocidade, confortáveis porque sabemos instintivamente o caminho. É verdade que conseguimos também testemunhar a previsível mecânica de uma fórmula narrativa a ser usada e implementada, ditando automaticamente o seu trajecto emocional, mas é uma decisão que permite destacar todos os outros elementos que favorecem a sua experiência cinemática.

Sinceramente, sabe bem. Ainda que seja à custa da grandeza milagrosa de Maverick que tanto deseja atingir. Eventualmente, as peças perdidas demonstram a sua falta – um esforço inicial em salientar a equipa inteira é abandonado para dar espaço à rivalidade entre os pilotos principais e a destreza cénica da sua competição; as personagens secundárias sentem-se, assim, mais como ferramentas para enaltecer o duo protagonista do que pessoas verdadeiras; Kerry Condon e Javier Bardem salvam as suas figuras genéricas com memoráveis prestações, intensos sotaques e olhares expressivos, mas o restante elenco carece do seu talento. Mesmo a própria evolução narrativa de Hayes e Pearce não sobrevive completamente sem ir às boxes trocar de pneus, conforme a aderência da história. Fruto de uma insegurança no argumento que encara a destruição como uma necessidade para o entretenimento, um elemento dramaticamente compreensível pois Sonny vive do caos e a própria edição trabalha em favor do seu estado de espírito agitado e individualista – uma escolha recompensada na sua conclusão cheesy mas bonita –, todavia, também uma consequência de tentar apelar simultaneamente aos fanáticos como a uma audiência desinteressada neste desporto, seja com explosões ou com a incessante exposição dos comentadores que explicam a funcionalidade e as regras da fórmula 1 como também os arcos das personagens, ou seja, comunicam como quem recebeu o script antes sequer da bandeira ser erguida. A sua insegurança inevitavelmente arrasta o filme nas curvas, contudo, nada que não possa ser perdoado (e até esquecido) perante o seu fogo de artifício, a promessa de Idris – cuja performance divertidamente irritante nunca perde a atenção da audiência –, e o talento efervescente de Brad Pitt.

F1: The Movie é o Top Gun: Maverick de Brad Pitt. No sentido em que Maverick era, na realidade, uma história sobre a carreira de Tom Cruise, a sua relação com esta arte, com o seu estrelato e o seu futuro nesta indústria, e F1 espelha a jornada de Brad Pitt, a sua atitude de moviestar, a sua personalidade criativa, o seu desconforto com o seu passado nas revistas e na imprensa, e a sua presente ligação com a expansiva tela, onde o seu nome é mais importante do que a sua presença. Maverick sucede como um blockbuster perfeito enquanto F1: The Movie fica aquém da glória. São duas histórias semelhantes mas drasticamente diferentes, duas estrelas brilhantes mas com intensidades e cores díspares. Para Cruise, Maverick era sobre um homem disposto a tudo para salvar o cinema e garantir o seu futuro, enquanto forma conexões para a vida inteira, seja com a sua equipa como com a sua audiência. Para Pitt, cada viagem é uma paragem, a paixão pelo cinema persiste mas o ódio contra uma indústria afundada por ruído de imprensa e CEOs distantes da estrada é demasiado forte.

Para não mencionar que, no fundo, este filme continua a ser meramente uma publicidade de 250 milhões à Fórmula 1 com objectivos duvidosos, enquanto Top Gun: Maverick é obviamente uma publicidade ao Tom Cruise. Acredito que a diferença entre ambos os filmes é: confiança no seu amor (e um ethos cinemático construído durante décadas). Lamechas? Sim. Mas Tom Cruise abraça esse conceito com paixão genuína enquanto Brad Pitt prefere sair antes da despedida. F1: The Movie corre connosco mas não fica connosco. Não é um insulto ou exactamente um comentário negativo, é a realidade do seu protagonista: a procura do próximo voo é o seu batimento cardíaco. Pode estar neste projecto, no próximo, pode nunca voltar a surgir mas a procura permanece. Faz parte da sua magia: um cowboy solitário. Entretanto, não implica que não possamos desfrutar da sua jornada. Aliás, até podemos acelerar e, ocasionalmente, fechar os olhos e simplesmente sentir.

3.5/5
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