Ezra (2023)

de Francisca Tinoco

Ezra, de Tony Goldwyn (ator e realizador conhecido principalmente pelo seu papel na série Scandal (2012-2018)) segue um pai (Max, interpretado por Bobby Cannavale) e um filho (Ezra, interpretado pelo estreante William Fitzgerald) durante uma fase atribulada das suas vidas que culmina numa viagem de carro através dos Estados Unidos em fuga da polícia.

Recentemente divorciado e desempregado, o comediante Max vive com o pai (Stan, interpretado por Robert De Niro) enquanto tenta, com menos ou mais esforço, endireitar a sua vida. Paralelamente às dificuldades do pai, Ezra, que vive com autismo, não se consegue integrar na sua escola, dando aso a um dilema que divide Max e a sua ex-mulher (Jenna, interpretada por Rose Byrne). Escrito por Tony Spiridakis (The Heights (1992), The Last Word (1995)) que retirou inspiração da sua vida pessoal, a dinâmica desta família é extremamente comum e fácil de encontrar tanto no cinema como na realidade. O pai age mais como um melhor amigo para o filho, enquanto a mãe, com quem a criança vive, é obrigada a assumir o papel da educadora, o que implica certas responsabilidades desagradáveis e um perfil autoritário que a torna menos popular.

Por isso mesmo, os primeiros minutos de Ezra pintam um filme engraçado e com algum coração, mas previsível e repetitivo. No entanto, embora a relação entre pai e mãe nunca consiga quebrar estes moldes já tão envelhecidos e esgotados – resultando numa frieza para com Jenna de que quase mais nenhuma personagem é alvo – o argumento, ritmo, e mote do filme revelam, efetivamente, algumas boas surpresas. A principal será a forma completa e incrivelmente empática com que Ezra e os seus dois Tonys escrevem e filmam a perturbação do espetro do autismo, conferindo uma surpreendente agência e poder ao seu jovem protagonista, que acaba por roubar as atenções em todas as cenas em que entra. A personagem que dá ao filme o seu título observa atentamente o mundo à sua volta e consegue facilmente ver por detrás e derrubar máscaras e paredes que os seus pais tanto esforço fazem para manter no lugar.

A viagem de Ezra vai acompanhando a viagem de Max, que consegue ser tão ou mais infantil que o seu filho pré-adolescente. Os dois embarcam nesta jornada, literal e figurativa, ensinando lições de vida valiosas um ao outro e crescendo juntos. Apesar dos seus protagonistas imaturos, a forma como o filme apresenta as suas histórias revela uma boa maturidade emocional, especialmente na ligação que cria entre as várias gerações. É, precisamente, aí que encontramos a sua segunda boa surpresa.

É mencionado ocasionalmente ao longo de Ezra, que Jenna acredita que o autismo do filho poderá ter sido herdado do pai e do avô, uma vez que ambos conseguem ser impulsivos e um tanto ou quanto socialmente desajustados. Embora nunca nos seja dada uma resposta séria acerca destas insinuações, o fator geracional e genético mantém, a todo o momento, um peso importante neste filme. Mesmo que a presença de De Niro no elenco sugeria logo, à partida, a importância da personagem de Stan, a concretização desta promessa não deixa de ser agradável, pois também este avô rabugento – um cliché que tem ditado esta fase recente da filmografia do lendário ator norte-americano – tem o seu próprio arco e a sua própria evolução. Ezra consegue ter a perspicácia de mostrar que o trauma por resolver entre um homem e o seu pai irá afetar, inevitavelmente, o desempenho do mesmo enquanto pai do seu filho. O resultado é um monólogo desarmante interpretado brilhantemente por De Niro, do seu modo acanhado, mas repleto de vulnerabilidade, que quase parece não encaixar bem num filme que é, na sua maioria, bastante teatral.

A estrutura da roadtrip e a presença de várias deadlines impulsionam o desenrolar da narrativa numa sucessão de episódios que vão do insólito ao perigoso à medida que Max e Ezra vão fazendo paragens em casas de amigos com castings tão épicos que mais parecem cameos num filme de super-heróis. O argumento, esse, tem mais força em momentos opostos – aqueles em que se submete à sinceridade e à seriedade, e aqueles em que prioriza a comédia crua. Por contraste, encontra-se mais débil nos momentos ditos “mortos” em que acaba por cair em lugares-comuns.

Ezra ganha, principalmente, por este retrato sensível da paternidade de uma criança com autismo, sem pudor e sem medo de brincar com situações desesperantes. A sua comédia caminha com proficiência a linha ténue que separa o desrespeito daquilo que é o máximo respeito por meio da satirizarão bem feita e sempre bem informada. Ou seja, as piadas à custa da problemática do autismo funcionam, pois revelam, sempre, um trabalho de casa exímio. É um filme que, no seu pior, é convencional e batido, mas que, no seu melhor, consegue ser notavelmente revelador e aconchegante.

3.5/5
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