Extraña Forma de Vida (2023)

de Bruno Sant'Anna

Pedro Almodóvar é um cineasta singular, cuja marca registada nas narrativas e no estilo de representação é inconfundível. O seu olhar ousado acerca dos sentimentos humanos mais extremos, como o amor e o desejo, e temas sensíveis como a maternidade e a homossexualidade, é caracterizado por uma complexidade que, paradoxalmente, parece simplesmente humana. Almodóvar encontra beleza no exagero e no excesso, capturando a essência de produções latino-americanas, mesmo sendo um realizador europeu. A sua estética vibrante, com o uso brilhante de cores vivas nos cenários e close ups expressivos, é reconhecível instantaneamente.

O realizador espanhol firmou-se como um dos mais aclamados da actualidade, com prémios como o Oscar e o BAFTA no seu currículo, demonstrando também o seu poder de catapultar colaboradores, como Penélope Cruz e Antonio Banderas, para o estrelato mundial. Portanto, não é surpreendente que o seu novo trabalho, Extraña Forma de Vida, uma curta-metragem, receba tanta atenção como muitos longas-metragens e até tenha a luxuosa marca de roupas Saint Laurent como produtora.

A história segue o reencontro de Jake (Ethan Hawke) e Silva (Pedro Pascal), dois amigos e amantes do passado que estão separados há 25 anos. O reencontro é permeado por sentimentos mal resolvidos e segundas intenções. Jake é o xerife de Bitter Lake, onde ocorreu um assassinato, e todas as evidências apontam para Joe (George Steane) como o culpado. Joe é o filho de Silva, e o retorno do cowboy à cidade tem o propósito de salvar o filho das acusações e persuadir Jake a não prendê-lo.

Almodóvar oferece a sua própria versão de um western, um género icónico do cinema que alcançou o seu apogeu na primeira metade do século XX. O realizador presta homenagem a essas produções enquanto desconstrói os seus arquétipos. É um filme contemporâneo, não de época; apresenta protagonistas com mais de 40 anos e retrata um romance entre dois homens. Bitter Lake é uma cidade organizada e limpa, contrastando com a sujidade caótica das cidades dos filmes antigos. Curiosamente, Extraña Forma de Vida foi filmado nas mesmas localizações de muitos filmes de Sergio Leone, ícone do género western.

A banda sonora, composta por Alberto Iglesias, é melancólica e lenta, e o título da obra é uma referência ao famoso fado da cantora portuguesa Amália Rodrigues. Almodóvar é meticuloso com detalhes e cada elemento dos cenários e guarda-roupa contribui para a compreensão das personalidades das personagens. A casa de Jake é organizada, porém vazia e fria, refletindo os anos de repressão dos seus sentimentos devido à ausência do seu amante. Já a casa de Silva é rica em cores e símbolos mexicanos, refletindo as suas raízes culturais. O guarda-roupa também destaca o contraste, com Silva usando roupas vibrantes enquanto Jake opta por cores mais sóbrias.

Extraña Forma de Vida é uma obra plástica e coesa, onde todos os detalhes visuais contribuem para a narrativa. Contudo, a maior limitação do filme é a sua curta duração. A complexa narrativa parece comprimida nestes 30 minutos, resultando em diálogos expositivos e momentos que podem deixar o público confuso. O final abrupto não deixa espaço para interpretação, mas sim uma sensação de que a história está incompleta.

É importante notar que, embora Almodóvar procure subverter os arquétipos de Hollywood ao retratar dois homens mais velhos como protagonistas e amantes, os atores escolhidos, Ethan Hawke e Pedro Pascal, ainda são considerados galãs e no ápice da sua fama, o que pode não representar “pessoas comuns”. Além disso, estas personagens são reveladas como jovens, durante um flashback, representadas por atores que parecem modelos de desfiles da própria Saint Laurent (um deles sendo o português, José Condessa). Todos os outros homens do filme também são jovens, fortes e lindos, por isso é questionável até que ponto os corpos saíram dos padrões habituais deste género nesta produção.

Em resumo, Extraña Forma de Vida é uma peça tecnicamente competente, como é de se esperar de Almodóvar, mas a narrativa densa parece comprimida dentro do formato de curta-metragem, comprometendo o desenvolvimento das personagens e a exploração da história. Esta incursão do realizador no cinema de língua inglesa pode ainda estar em processo de transição para a sua forma final, deixando espaço para uma exploração mais aprofundada em futuros projetos.

3.5/5
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