Cada vez mais, no mundo actual, estamos a um passo do apocalipse nuclear. Vivemos num clima de guerra em que basta uma pessoa decidir carregar no “botão” e o nosso mundo mudaria de um instante para o outro. Alguns dirão “que exagero!” ao meu comentário, mas a cada dia que passa parece ser um cenário cada vez mais plausível.
O realizador Tiago Pimentel coloca esta possibilidade de um mundo pós-apocalipse nuclear em Portugal, de um ponto de vista mais íntimo – o familiar. Ernesto (Sérgio Godinho) vive com a filha Helena (Mariana Pacheco) e mal conseguem sobreviver perante a ausência de alimentos e o controlo opressivo de um governo ditatorial, obcecado em controlar a população cada vez mais descontente. Mas Ernesto esconde um segredo, e quando recebe a visita de um inspector da polícia (Paulo Calatré), inicia-se um interrogatório intenso em busca da verdade. Quem sairá vencedor neste jogo do gato e do rato?
Estamos na presença de um objecto cinematográfico muito incomum na cinematografia portuguesa. Falo, claro, do thriller, um género que é praticamente ignorado pelos autores portugueses sempre com receio da eventual comparação com os homónimos americanos e da sua apetência para o género. Como é óbvio os meios são substancialmente inferiores no nosso país e por isso a opção literal de filmar este apocalipse seria incomportável a nível financeiro. O argumento de Tiago Pimentel e António Miguel Pereira escolhe um caminho em que explora uma realidade alternativa no futuro, mas que tem clara reminiscência no nosso passado histórico recente da ditadura.
Existe uma polícia militar, denominada PICO, aqui representada pelo coronel Salavisa (Calatré), e parece fotocopiada da PIDE, a homónima polícia militar responsável pela criação de um ambiente de medo, desconfiança e controlo da população como a presente na narrativa. A rádio-pirata, elemento-chave aqui, mostra a verdade à população e é usada para criar um quadro visual do ambiente apocalíptico deste Portugal. Não há comida ou bens de primeira necessidade, há um recolher obrigatório, ninguém pode circular sem autorização e existe um governo que mente à população como forma de os “proteger” de influências nefastas, propaganda de um regime autoritário. A mentira é o motor da história e a verdade uma comodidade a que o povo não tem acesso. Nos primeiros 2 minutos tudo isto está já estabelecido de forma muito eficaz.
Segue-se a introdução das personagens e aqui surge a maior surpresa do filme, Sérgio Godinho (sim, o próprio). O papel de Ernesto é um de subterfúgio, de engano, de meias verdades e de um pai extremoso, disposto a tudo para proteger a filha, Helena. Helena é interpretada por Mariana Pacheco, num papel bem menor mas marcante no modo como nos mostra o luto de uma mãe. A completar o excelente trio de actores temos o Coronel Salavisa, interpretado pelo sempre intenso Paulo Calatré. Este é um homem inteligente, focado na sua missão e inabalável no cumprimento do seu dever militar com a pátria. O que mais impressiona é a passagem de aparente simpatia para o modo de intimidação, e que Paulo Calatré equilibra de modo exemplar. É, no entanto, na interacção entre Ernesto e o Coronel que a narrativa cria o crescendo de tensão que a caracteriza, baseando-se em insinuações abstractas e que, lentamente, descambam em ataques verbais e acusações. O inevitável e violento desfecho mostra qualidade nos efeitos visuais e no modo como os movimentos de câmara e a direcção de fotografia conseguem disfarçar o baixo orçamento da produção. Infelizmente nem todas as decisões presentes no argumento são as mais acertadas e a qualidade dos diálogos não se mantém constante em toda a duração, o que é uma pena. No entanto, uma coisa é certa, o espectador fica sempre agarrado à cadeira ansioso por saber o destino de Ernesto e Helena.
Era Uma Vez no Apocalipse mostra uma faceta há muito ausente do cinema português de longa-metragem e que, ultimamente, tem surgido com qualidade no formato de curta. Tiago Pimentel entra nesta nova geração de realizadores decididos a abandonar o nicho de autor e aventurar-se por paragens mais comerciais. E este mundo pós-apocalíptico em Portugal era um que gostaria de visitar, numa escala maior, num futuro próximo. Haja oportunidade e investimento para o fazer.