O realizador polaco, Jerzy Skolimowski, faz questão de mencionar várias vezes que, mesmo sob o peso dos seus 84, se mantém um homem ambicioso. Faltava-lhe um elemento surpresa para quebrar o aborrecimento tácito provocado pelas normas estruturais do cinema moderno. A solução? Um animal. Com alguma inspiração no Au Hasard Balthazar (1966) de Robert Bresson, chega-nos EO, o burro que vive uma aventura pela Europa, cruzando-se com todo o tipo de pessoas, boas e más, desde circos a quintas, de hospitais veterinários a mansões italianas.
Skolimowski co-escreveu o argumento com Ewa Piaskowska, com quem já tinha colaborado anteriormente, e leva o seu ator principal – do qual fala de forma muito prática, referindo que assim “foi fácil reduzir diálogo – a um filme que parece estranhamente convencional. A verdade é que Skolimowski fez um trabalho que se pode dizer, pelo menos em parte, convencional, no entanto, com um burro. Por si, isto já torna EO digno de ser visto. Construir toda uma peça de três atos, com emoção, arcos e um final com poder dramático interessante – elevado por uma banda sonora extraordinária de Paweł Mykietyn – pelos olhos de um burro (um burro bastante fotogénico, diga-se), é um feito e tanto.
Adiciona-se então um outro fator à discussão. A nossa personagem principal é uma tábua rasa. Um animal que, sendo ou não autoconsciente, vê o mundo de um ângulo de inocência e espanto que a câmara de Michal Dymek tão bem capta entre as close-ups íntimas a EO e as paisagens deslumbrantes por onde este trota. Sejam florestas ou barragens, de tal forma que EO, com esta escolha, cria uma dimensão de existência desligada e imparcial, deixando que os humanos que o rodeiam pareçam tanto mais bondosos como mais terríveis, vistos sempre pelo olhar de um espectador imparcial. Esta passividade, torna gratuito qualquer gesto de carinho ou de crueldade. É um filme que vive apaixonado pela Natureza e pelos seus habitantes, incluindo os bípedes que têm tendência a destruí-la, mas se EO acredita em alguma coisa é na pureza animal, na profundidade do seu pensamento e toma a proeza de nos deixar passar tempo nesse lugar, com toda a beleza e brutalidade que isso acarreta.
Ainda assim, quando a novidade deixa de surtir efeito e abraçamos com naturalidade a hora e vinte pela mão, ou casco de um burro, fica um filme que, apesar de ser conceptualmente interessante e algo nobre, não oferece muito mais além da sua própria peculiaridade. Esta poderá ser suficiente para carregar EO a um patamar de brilhantismo para alguns, para outros nem tanto, contudo é indiscutível que a vida pelos olhos de EO é uma experiência singular e o mundo, esse tão cheio de crueldade e carnificina, parece algo mais belo, nem que seja por breves momentos.
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