Entrevista | Vasco Monteiro – Realizador de “The Closing of a Refinery”

de Fio Condutor

Durante a cobertura da 30ª edição do CineEco – Festival Internacional de Cinema Ambiental da Serra da Estrela, tivemos a oportunidade de entrevistar o realizador português Vasco Monteiro, responsável pela curta-metragem documental experimental The Closing of a Refinery, uma história acerca do estado actual da humanidade e a sua relação com a energia e o meio ambiente, utilizando o contexto do encerramento da maior refinaria de petróleo do Norte de Portugal. Nesta conversa, abordamos precisamente estes temas como também os métodos utilizados para desenvolver este projecto.

FIO CONDUTOR: Em nome de toda a equipa quero agradecer teres a possibilidade de fazer esta entrevista. A minha primeira pergunta é: a refinaria de Matosinhos tem uma grande relevância histórica e económica para Portugal, mas também simboliza as complexas questões ambientais da nossa era. Posto isto, qual foi a motivação para abordar o seu encerramento e transformá-lo numa curta-metragem?

VASCO MONTEIRO: Parte dessa resposta já está na pergunta: pela complexidade que há em toda a questão do que é que significa encerrar uma refinaria hoje em dia, no contexto atual e relativamente àquilo que nós sabemos sobre as alterações climáticas.

À partida, se olharmos de forma simplista, encerrar uma refinaria seria uma coisa boa, foi algo que disse também na sessão [do filme], pois precisamos de nos livrar da nossa dependência dos combustíveis fósseis, porque eles causam as alterações climáticas e o aquecimento global. Logo, vamos acabar com as refinarias. Mas, quando estava a ler e me apercebi do fecho da refinaria de Matosinhos, havia várias entidades que eram contra o seu encerramento, algumas mais óbvias que outras. Naturalmente, acho que os trabalhadores não queriam perder os seus empregos, mas ao mesmo tempo havia organizações ecológicas a contestar o encerramento e isto despertou a minha curiosidade.

Quis investigar um pouco mais o que estava por detrás, se fazia algum sentido o porquê de eles estarem a contestar, por um lado, pela justiça social…

FC: Mas, Organizações Não-Governamentais (ONGs), por exemplo, que estavam a contestar?

VM: Sim, sim. Por um lado, por muita gente ter perdido o trabalho quase do dia para a noite, porque o encerramento foi feito de forma muito abrupta, mas também por isso não ter um impacto real, segundo estas organizações, na pegada ecológica da refinaria.

A GALP, que era dona da refinaria, simplesmente, dizem eles, descentralizou as suas operações para a refinaria de Sines, ou seja, no global não há aqui um ganho ecológico com este encerramento. Logo, há aqui várias questões que se levantavam ao pensar na refinaria, sobretudo esta complexidade do que é que está por detrás de uma decisão destas.

FC: Porquê a decisão de utilizar a Inteligência Artificial (IA) como interlocutora no filme para explorar questões ambientais, entre as quais a transição energética?

VM: Eu de certa maneira queria tentar criar um bocado uma distorção da realidade, ter um filme um pouco distópico em que não apresentasse as coisas exatamente como elas são, não queria fazer uma reportagem. Queria dar uma visão sobre a refinaria e sobre esta questão da transição energética e das alterações climáticas e também por gosto pessoal, achava que uma visão um pouco mais distópica da realidade poderia dar uma perspetiva diferente para abordar a temática.

Eu não comecei logo a trabalhar com o CHATGPT, isto apareceu já a meio do processo, depois de já ter começado a fazer algumas experiências de texto, do que é que poderia ser o texto do filme. Quando comecei a experimentar com o CHATGPT percebi que estava ali a “chave” ou a “ferramenta” certa para a sensação que eu queria passar de distopia, de distorção de realidade.

No meu caso, pelo menos o objetivo é esse, é tentar criar alguma distância entre o espectador e a mensagem, para haver um espírito mais crítico em relação àquilo que está a ser dito. Tentar tirar uma carga mais ativista deste tipo de discurso que, muitas vezes, pode contaminar a forma como nós pensamos estas questões e eu acho que ao pôr uma voz que é não humana a fazer este tipo de discurso consegui criar essa distância.

FC: Acaba por ser complementar esta pergunta: como foi lidar com o contraste entre a frieza da tecnologia e as emoções humanas com estes temas que são inatamente humanos, passo a expressão, como a sustentabilidade?

VM: Acho que faz parte daquilo que estava a dizer: tentar criar este distanciamento entre a mensagem, a forma como ela é dita e o seu conteúdo. Tentar puxar também um bocado pela artificialidade do que está a ser dito, porque o discurso do CHATGPT eu acho que nós, na verdade, já o ouvimos repetido mil vezes na comunicação social quando a mensagem é passada de forma muito simplista.

FC: Em discursos políticos.

VM: Em discursos políticos também. Começa a perder o seu sentido, começa a esvaziar-se. Mesmo quando a mensagem até é completamente certeira e está a dizer as coisas como elas deviam ser ditas começa a perder sentido pela repetição e pelo lugar-comum. Eu acho que não tentei dar sentido, mas tentei mostrar esse vazio com o CHATGPT. Essa frieza que estavas a falar acho que vai ao encontro disso, de mostrar que às vezes estas mensagens são muito ocas quando não são acompanhadas de um pensamento mais crítico e de uma reflexão mais pessoal.

Acho que esse é um trabalho que depois tem de ser feito pelo espectador: de trazer a humanidade, porque não está lá, o filme não tem essa humanidade. Temos de ser nós depois a colocá-la.

FC: Que tipo de mensagem esperas transmitir ao público com os elementos visuais e sonoros que utilizas no filme? Quanto à interação com o CHATGPT já falámos, mas relativamente a toda a ambiência que vemos?

VM: Mais do que mensagem eu acho que o meu objetivo com o filme é provocar um pouco mais uma reação, uma reflexão com a forma como apresento este discurso. Não quero propriamente passar uma mensagem e não gosto muito desse tipo de discurso em que tento fazer um argumento. Acho que o filme não tem um argumento.

Eu não estive lá, mas o filme passou na semana passada num festival também ecológico na Turquia e esteve lá o compositor da música. Esteve na sessão e depois num Q&A e ele esteve a contar-me como tinha sido, e uma das coisas que ele me disse foi que algumas pessoas ficaram um bocado aborrecidas, foi o termo que ele disse (risos), por não perceberem se o filme estava a dizer se encerrar uma refinaria é uma coisa boa ou uma coisa má.

Eu acho que o meu filme tem mesmo esse objetivo: não é dizer se é uma coisa boa ou uma coisa má, mas é criar esse espaço de desconforto em que temos depois de ser nós a procurar a mensagem.

FC: A minha última questão, não sei se podes efetivamente dar resposta, mas tens em mente alguns projetos para o futuro?

VM: Sim. Estou agora a trabalhar numa longa-metragem documental que também vai abordar temas que são transversalmente ambientais, pois é sobre uma antiga aldeia mineira, onde as minas foram desativadas há já uns 30 anos. Não é um filme, novamente, com uma mensagem ambiental direta, mas que retrata um pouco esta temática do que é que é viver nos tempos de hoje em dia com as alterações climáticas. Num tempo que podemos chamar, e que aliás já é chamado, de Antropoceno, o filme vai retratar o que é viver com estes desafios e com esta, se calhar, nova forma de estar no mundo. O que é que ela diz sobre nós e como é que nós nos podemos relacionar de uma outra maneira com o território.

Entrevista realizada e transcrita por Sofia Alexandra Gomes
 Assistida por Sara Ló

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