Entrevista | Joana Santos – Actriz

de Fio Condutor

Com uma carreira expansiva que abrange diversos palcos, desde o cinema, à televisão e até à dobragem portuguesa no celebrado jogo Beyond: Two Souls (2013), Joana Santos continua a marcar audiências com o seu talento único que percorre pelas suas personagens. Actualmente, a actriz demonstra as suas capacidades na televisão e no cinema, interpretando a vilã, Caetana Vaz Torres na telenovela Flor Sem Tempo (2023-), e Sandra, uma mãe solteira, na primeira longa-metragem de Simão Cayatte, Vadio (2023), que estreou nas salas de cinema nacionais no dia 4 de Maio. Tivemos a oportunidade de entrevistar a Joana sobre o seu trabalho nestas obras e sobre o seu percurso como actriz.

Fio Condutor: Como surgiu o teu interesse pela carreira de actriz?

Joana Santos: Foi surgindo… Talvez o facto de, aos 17 anos, ter participado no filme Alice, do Marco Martins, tenha ajudado a despertar esta paixão. Uns anos mais tarde fiz a minha primeira novela na TVI em que tive a sorte de ter um papel bastante desafiante a nível físico e emocional. Comecei a perceber que gostava muito desta entrega pela interpretação. Considero-me uma pessoa extrovertida, mas sempre fui tímida e pouco faladora, e quando represento esqueço-me que sou essa pessoa tímida e reservada.

FC: Relativamente à tua estreia em Alice (2005) de Marco Martins, como surgiu essa oportunidade? Que recordações tens dessa primeira passagem pelo cinema?

JS: Fui selecionada para fazer o papel de uma hospedeira de bordo que todos os dias se cruza numa lavandaria com a personagem do Nuno Lopes, personagem que desde o desaparecimento da filha faz todos os dias o mesmo percurso. Foi um papel pequeno mas muito importante para mim. Lembro-me bem do set de filmagens e de como me senti confortável naquele ambiente. De observar tudo com muita atenção, de conversar com o Nuno Lopes sobre o que era este filme, de ficar a observá-lo na sua entrega exímia àquele personagem.

FC: Além do teatro, cinema e televisão, fizeste também a dobragem portuguesa de uma das personagens principais do jogo Beyond: Two Souls (2013). Como foi essa experiência de voice acting e qual foi a preparação necessária para este tipo de trabalho?

JS: Foi espectacular!! Quando soube que ia dobrar o Elliot Page fiquei muito contente, gosto muito do trabalho dele. Foi um processo intenso, muitas horas de gravação, nunca tinha feito nada parecido. À minha frente tinha um ecrã gigante com os videos do Elliot com aqueles fatos 3D e eu tive que dar toda a emoção que via através de voice acting, foi uma boa experiência.

FC: Interpretaste uma vilã icónica na novela Laços de Sangue (2011) e agora regressas como vilã em Flor Sem Tempo (2023-). Qual é o apelo em interpretar este tipo de personagem?

JS: Neste tipo de personagens consegues brincar mais, consegues entrar num mundo que não é o teu. Interpretar a Diana em Laços de Sangue foi maravilhoso. Uma mulher que se torna uma psicopata que mata tudo sem dó nem piedade, mata a própria mãe no cemitério em cima da campa do próprio pai, finge a sua morte, acorda num caixão e acaba por morrer asfixiada… Foi épico! Ahaha

FC: Na curta-metragem Menina (2016), de Simão Cayatte, a recriação dos anos 70′ é absolutamente bem-conseguida. Como foi entrar, pela primeira vez, nesse set de filmagens?

JS: Foi incrível, o departamento de cenografia e guarda-roupa fizeram um trabalho magnífico, estavam lá todos os detalhes. Entrar na sala e principalmente na cozinha (o meu décor preferido), perdia-me a olhar para todos os detalhes, os naperons, os tachos, as terrinas, o avental imaculado da Rita, tornou mais fácil a transição para um mundo pré 25 de Abril.

FC: Como foram as filmagens no Um Filme em Forma de Assim (2022) em plena pandemia? E como foi trabalhar com João Botelho pela primeira vez?

JS: Eu tinha trabalhado com o João Botelho há uns anos, não para um filme dele, para um filme do Alberto Seixas Santos onde o João me preparou a mim e outros actores durante mais ou menos duas semanas para uma cena específica do filme. Já nessa altura fiquei-lhe com uma grande admiração pela sua disponibilidade, simplicidade e simpatia. Em 2022, finalmente, trabalho com ele no Um Filme em Forma de Assim, enquanto actriz e realizador. Gosto muito do João, é um verdadeiro gentleman. No meio da confusão que às vezes pode ser um set de filmagens, ele conseguia explicar o que queria de cada cena de uma forma muito tranquila, é um realizador que gosta de actores.

FC: Em 2019 filmaste com o Simão Cayatte a sua primeira longa-metragem Vadio (2023), que já estreou nas salas de cinema portuguesas. Como definirias a tua personagem Sandra? Quem é esta esta mulher e qual a sua importância na história que está a ser contada?

JS: A Sandra é professora, tem uma filha com 5 anos e é mãe solteira. É uma mulher que carrega um grande peso às costas. Uma mãe que faz o melhor que pode para criar a filha, sozinha, numa altura em que o nosso país atravessa uma grande crise, em que os professores são convidados a sair do país em busca de melhores condições de trabalho. A Sandra é frágil e forte ao mesmo tempo, vai-se abaixo com o que aconteceu à filha e com a culpa que tem dentro dela. Mas não baixa os braços e quer lutar para ter a filha de volta. Infelizmente o que leva em troca é um abandono por parte dos que lhe são mais próximos. Uma mãe não pode cometer erros e, em vez de receber ajuda, é julgada.

FC: Como fizeste a abordagem a esta personagem e como foi o processo criativo para a personagem ganhar vida?

JS: Acho que o facto de ser mãe ajudou no processo de criação da personagem, acabo por sentir as coisas de outra maneira, de uma maneira mais verdadeira talvez, porque sei o que sentiria se alguma vez passasse pelo que a Sandra passou. Também quis que a Sandra tivesse um ar mais desleixado, não me preocupei minimamente se estava bonita ou se deixava de estar, queria-lhe dar um ar real sem artifícios.

FC: Ainda sobre Vadio, contracenas com o estreante Rúben Simões, que interpreta André. Apesar das suas inúmeras diferenças, ambas as personagens parecem perdidas e solitárias na vida, mas partilham um entendimento silencioso. É a solidão que os une ou há algo ainda maior ali?

JS: O André depois do desaparecimento do pai acaba por procurar na Sandra um porto seguro e, inconscientemente, uma figura materna. A Sandra, por sua vez, tem a missão de se reencontrar com a filha e vê esta aproximação do André como um obstáculo que atrasa esse reencontro. Mas também não consegue abandoná-lo. Talvez por pena ou também porque de certa forma se sente sozinha e frágil. Mas acho que ambos andam a procura da mesma coisa, de amor.

FC: De todas as personagens que já interpretaste, qual foi aquela que mais ficou contigo e porquê?

JS: A Diana em Laços de Sangue foi uma personagem que marcou a minha carreira e ficou comigo no sentido em que passados 13 anos ainda tenho pessoas que vêm ter comigo e que me falam de como gostaram da minha interpretação (e de como lhes causei pesadelos ahahaha).

FC: Como vês o panorama actual do cinema português e o que falta para chegar a mais público?

JS: Se por um lado o cinema português é elogiado internacionalmente, recebe prémios lá fora, exporta a nossa língua, a nossa cultura e até mesmo actores e técnicos, por outro lado “cá dentro” é outra história. Os portugueses vão pouco ao cinema ver filmes portugueses . Os filmes portugueses têm de ser mais promovidos. De Bragança a Faro, tem de haver mais incentivos, devemos fomentar hábitos para voltar ao cinema. Depois pergunto-me porque as salas de cinema existem quase exclusivamente nos centros comerciais, acho que isso é mau para a criação de um ambiente favorável a assistir cinema. Dito isto, a todos os que vivem do cinema, temos que continuar a ser resilientes e esperar que o nosso valor seja aclamado cá dentro.

FC: Quais são os teus próximos projectos que nos possas revelar?

JS: Em Agosto vou começar com ensaios para um espectáculo na companhia Primeiros Sintomas dirigida pelo Bruno Bravo.

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Entrevista por João Iria, Pedro Ginja e Sara Ló

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