Sinto um fascínio pelos filmes da Disney, desde pequeno. Aqueles clássicos iniciais, como Snow White and the Seven Dwarfs (1973), Pinocchio (1940), Dumbo (1941) e, a obra prima que é, Fantasia (1940) ou os que surgiram durante a segunda era de ouro de animação Disney, presentes no meu imaginário de criança, que já na adolescência os escondia como guilty pleasures, como The Little Mermaid (1989), Beauty and the Beast (1991) ou The Lion King (1994). Depois deste período, o deserto interminável de filmes sem chama que serviram apenas para cumprir o calendário, colocavam a sua filmografia em perigo. Frozen (2013) marcou o renascer da Disney, fazendo com que deixasse de ser o parente pobre da poderosa Pixar, em pleno apogeu criativo, invertendo os papéis das duas produtoras (mesmo que a diferença atual entre as duas seja pequena). Presentemente, em 2021, a estreia de Encanto coloca a questão: é possível que a Disney volte a ser o principal estúdio de animação do mundo, em termos de qualidade?
Encanto conta a história da família Madrigal, que vive numa cidade encantada, nas montanhas da Colômbia; todos com a posse de uma habilidade de magia extraordinária, exceto Mirabel (V.O. Stephanie Beatriz/V.P. Carina Leitão). Quando o seu mundo fica sobre ataque e a magia começa a desaparecer, tudo depende de Mirabel para salvar a sua família.
Este é o ponto de partida de um filme, do qual nada sabia para além do cartaz. Do seu poster retirei, imediatamente, a palavra família, o tema principal desta história. Como em todas as famílias existe uma ovelha negra, o tio Bruno (V.O. John Leguizamo/V.P. Heitor Lourenço); o membro mais forte da família, Luísa (V.O. Jessica Darrow/V.P. Mariana Pacheco); a mais perfeita, Isabela (V.O. Diane Guerrero/ V.P. Vânia Pereira) e claro, a matriarca e chefe da família, Abuela Alma (V.O. María Cecilia Botero/V.P. Custódia Gallego). Cada um, com a sua própria magia, desde a habilidade de força sobre-humana, o dom de adivinhar o futuro ou o poder de criar flores a partir do nada, todos com os seus próprios dons exceto Mirabel, uma jovem completamente normal, com nada de extraordinário. Todos eles são-nos introduzidos durante a primeira música deste filme.
Sim, Encanto é um musical e os seus protagonistas cantam sobre tudo o que está a acontecer. Confesso que este género não é dos meus favoritos e não será este o filme que irá mudar esta preferência, mesmo com a presença de Lin-Manuel Miranda, aclamado na Broadway e um dos artistas mais requisitados em Hollywood, como o responsável pelas músicas. Consigo reconhecer a qualidade musical presente, ainda que não seja uma que sinta apelo. É terreno familiar para a Disney, na forma como cumpre o calendário, com uma banda sonora recheada de pop, salsa, rumba, tango, entre outros ritmos latinos, misturados num caldeirão, fáceis de trautear, mas longe de memoráveis.
Felizmente, a falta de originalidade fica pela banda sonora pois visualmente é um portento de cor que invade os nossos sentidos com cores vibrantes. Queremos conhecer esta Colômbia paradisíaca, original no seu aspeto mas familiar no seu sentimento. Uma ideia que sentimos desde o início é que a casa não é um bem material, faz parte da família, tem o seu próprio nome (Casita) e funciona como um “organismo vivo” que fala, respira, chora, ri e, acima de tudo, sente. Uma boa analogia para a casa onde crescemos e a forma como será sempre especial como o nosso primeiro abrigo, com uma história feliz ou triste em cada canto e esquina. Uma casa que conhece-nos como ninguém.
O argumento explora assuntos muito relevantes no mundo atual, como a necessidade de perfeição, de projetar sempre o nosso melhor e render os nossos talentos, sem tempo para a reflexão, apenas manter as aparências para o exterior como uma fachada perfeita. A necessidade de comunicação e de abertura das nossas dúvidas, preocupações e medos serve como um aviso claro aos pais, mães, avós, avôs, netos e netas, que a comunicação é a chave para a unidade familiar. Não bastam os laços de sangue para garantir harmonia, é necessário ouvir o outro e aceitar a diferença mas também as dúvidas, medos e fraquezas.