Empire of Light (2022)

de João Iria

Sam Mendes é um bom realizador. Alias, Sam Mendes é um excelente realizador. A sua filmografia distancia-se da longevidade artística de cineastas venerados como Scorsese ou Spielberg e da identidade visual de Wes Anderson ou Edgar Wright, todavia, ele não necessita de adquirir essa mestria cinemática ou sequer essa individualidade criativa. Sam Mendes possui a sabedoria essencial de um artista nesta posição que distingue o seu nome no grande ecrã; uma compreensão fundamental dos elementos técnicos que compõem uma narrativa audiovisual e a sensatez de construir uma equipa talentosa para complementar a derradeira obra visionária. Essa habilidade apurada permitiu uma introdução marcante no cinema com a sua primeira longa-metragem, American Beauty (1999) e uma excelente reinvenção (novamente) de um ícone com o blockbuster Skyfall (2012). Criações que asseguram Sam Mendes como um apto realizador. Não como um argumentista.

Empire of Light é o seu primeiro argumento a solo – Mendes co-escreveu 1917 (2019) com Krysty Wilson-Cairns, um filme que vive do seu conceito visual –, um facto incrivelmente evidente num script cujas temáticas acabam completamente derrubadas pelo excessivo peso de diversos sub-enredos destituídos de estruturação. Simplificando a sua sinopse, esta é mais uma adição ao subgénero de cartas de amor para o cinema, como Cinema Paradiso (1988) e Babylon (2022), sobre Hilary Small (Olivia Colman), uma mulher de meia-idade que trabalha no cinema Empire. Emocionalmente apagada pela medicação receitada para auxiliar o seu transtorno bipolar, Hilary prossegue numa rotina de trabalho e um caso extraconjugal com o gerente do Empire, Donald Ellis (Colin Firth), até a chegada de um novo colega, Stephen (Micheal Ward), um jovem com quem cria uma profunda ligação física e emocional.

No seu essencial, é um romance entre duas almas alojadas num mundo desumano, conectadas através de uma sensação partilhada de profunda solidão enaltecida por um ambiente que escolhe rejeitar as suas pessoas. Aliás, as minhas desculpas. No seu essencial, é uma história sobre o poder transformativo da sétima arte como escapismo numa comunidade perdida durante os tempos politicamente turbulentos de uma Inglaterra em 1980, com o crescimento popular do fascismo, uma atmosfera violentamente racista, o desinteresse médico na saúde mental e o comando da wicked witch of the dead, Margaret Thatcher. No seu essencial, existem intenções benignas. A ideia do cinema como um espaço artístico de dimensão colossal onde todos são verdadeiramente seres de igualdade, incluindo uma mulher maníaco-depressiva e um jovem negro à procura de um futuro é uma visão teoricamente poética que arrisca uma insensibilidade ingénua, particularmente devido à sua execução equivalente a uma sala desorganizada com sub-enredos varridos para debaixo de uma carpete repelente, manchada com coca-cola e enfeitada com restos de pipocas pisadas, na esperança de armazenar cada ponto narrativo de forma emocionalmente coesa.

É um primeiro draft ainda por rescrever com falas que soam a placeholders esquecidas pela inspiração e romances insípidos. O sorriso charmoso de Colman é suficiente para a audiência apaixonar-se pela sua performance – mais pela performance do que pela própria personagem – e a atriz (quase) eleva as suas palavras sentimentalmente pobres a uma pureza genuína. Simultaneamente, o carisma entusiástico de Ward captura rapidamente a afeição do público. Ambos seduzem emocionalmente a plateia apesar de uma química dúbia e um argumento isento de credibilidade na justificação de atração entre os protagonistas. A paixão sente-se somente entre audiência e actriz/actor e nunca entre as duas personagens.

O romance secundário (?) que Empire of Light pretende transmitir é a relação amorosa entre espectador e a sétima arte; é no extenso ecrã que Sam Mendes comprova o seu talento como cineasta, demonstrando a potência emocional do cinema através da perícia delicada de Roger Deakins como director de fotografia, a banda sonora suave de Trent Reznor e Atticus Ross e os cenários formosos de Mark Tildesley que transforma o Empire num local de memórias nostálgicas onde a vontade primordial é converter este lugar numa segunda casa. Sam Mendes acaba por comprovar também, inadvertidamente, que uma obra audiovisual não consegue depender somente de técnica. Neste sentido, Empire of Light não é uma carta de amor ao cinema. É o rascunho de um e-mail.

Existe arte no escapismo. Existe arte na luz e na sala de cinema como um altar para esperança e renascimento individual; como o santuário de um universo intensamente desinteressado na felicidade humana. Sam Mendes parece acreditar neste conceito, valorizando principalmente o recinto, independentemente do filme. A sua competência artística suplica pela grande tela, todavia, quando as luzes regressam, existe uma trágica consciência penosa de presenciar uma longa-metragem visualmente maravilhosa acerca da paixão pela sétima arte que fracassa em persuadir a audiência a sair de casa.

2.5/5
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