Elemental (2023)

de Pedro Ginja

“Elements cannot mix.”

Ultimamente os tempos não têm sido fáceis para a Pixar. Principalmente pós-pandemia, que retirou Onward (2020) das salas poucos dias depois da sua estreia, devido ao encerramento dos cinemas. Luca (2021) e Turning Red (2022) foram directamente para streaming no Disney+, e apesar do sucesso de crítica não puderam estar onde mereciam – a sala de cinema. O primeiro a voltar à grande tela foi Lightyear (2022) mas os espectadores não voltaram às salas de cinema, alguns ainda por receio da doença, outros pela campanha anti-Disney ou da polémica relativa à mudança no casting da voz de Buzz Lightyear. São muitos os motivos mas a verdade é que este Lightyear fez apenas 20% da receita da última estreia da Pixar em sala – Toy Story 4 (2019). É neste ambiente, ainda, que Elemental estreia e o prognóstico não é dos melhores para o seu sucesso comercial. E em termos de qualidade será que a Pixar “still got it”?

Ember (V.O. – Leah Lewis) habita no bairro do fogo e tenta provar aos pais que está pronta para assumir o negócio da família. Mas o seu mundo é virado do avesso quando conhece Wade (V.O. – Mamoudou Athie), um habitante do bairro da água. O seu encontro despoleta uma aventura para salvar o negócio da família e da cidade a que chamam casa – Element City, onde os elementos Fogo, Água, Terra e Ar vivem juntos mas não em harmonia.

Os fãs da Pixar podem descansar pois parece que ainda sabem o que fazem por aquelas bandas. Torna-se ainda mais claro quando a sua veia criativa é deixada livre das amarras da realidade e se concentra num mundo imaginário, como é o caso desta Element City. Tudo neste mundo é de nos deixar de boca aberta, não surpresos, pois o estúdio já nos habituou a grande qualidade, mas maravilhados com a beleza e com o primor técnico da animação. É algo que nunca foi visto desta maneira, principalmente na forma como o elemento fogo é mostrado com um misto de intensidade, poder, ameaça e aconchego. Existe o risco de, pela sua natureza, surgir num modo apenas agressivo ou antagónico mas a opção de os tornar impulsivos e guiados pelo instinto dá ao elemento o lado humano que necessita. Há uma clara inspiração asiática na cultura do elemento fogo com a importância da família, o dever e a tradição como prioridades e de sempre honrar as tradições milenares independentemente do custo para a vida pessoal. É claro o sentimento de isolamento desta comunidade em Element City, sempre vista com desconfiança e uma ameaça à ordem. É por isso visível, em Ember, essa raiva a borbulhar mas também a paixão e a sensação de faltar algo. Esse algo surge do lugar mais inesperado possível, Wade um habitante do elemento água. É ela que vai “acender” o fogo de Wade e abrir os seus horizontes para uma nova vida. 

O mais surpreendente é que esta é a primeira comédia romântica da Pixar, como história principal. E acreditamos neste romance desde o primeiro segundo devido a várias decisões inteligentes. A primeira é o elenco de vozes, formado por perfeitos desconhecidos mas que claramente percebem e transmitem a verdade das suas personagens. A química entre Leah Lewis, como Ember, e Mamoudou Athie, como Wade, tanto a nível de expressão vocal como na decisão de variar colorações consoante os sentimentos dominantes, é inspirada e leva-nos a acreditar nesse amor. A própria interação entre os elementos, com destaque óbvio para fogo e água, é genial e o facto de se basear nas leis da ciência só o torna mais empolgante para um science nerd, como eu.

Nem tudo é perfeito e as maiores falhas sentem-se no lado cómico da história, notado, muitas vezes, no precioso timing ou quando o argumento opta pela piada fácil. As excepcões à regra são no uso da comédia física e nos inevitáveis trocadilhos baseados nos elementos. Além disso, com o destaque tão grande nos dois protagonistas, as outras personagens sofrem bastante e ficam pela superficialidade com a excepção do pai de Ember, Bernie (V.O. – Ronnie del Carmen), cuja backstory dá os momentos mais emocionais do filme, e Gale (V.O. – Wendi McLendon-Covey), a chefe de Wade, uma nuvem com uma super personalidade aliada a um coração de ouro que traz memórias de uma das melhores curtas do estúdio, também de Peter Sohn – Partly Cloudy (2009).

Um dos maiores triunfos de Elemental está na forma como Peter Sohn usa a sua história pessoal e a sua verdade como alicerce da narrativa. E essa história é de Ember e Wade, uma adorável “boy meets girl” com uma previsibilidade aconchegante mas não menos intenso por isso na emoção que nos provoca. Quem não estiver a chorar quando o filme faz a sua “vénia” final é melhor verificar se tem pulso. Para além da dúvida se é um sucesso comercial ou não, a mais importante questão é respondida ao colocar a Pixar no caminho certo do que a torna única – Criatividade, Emoção e um grande coração.

Ps: Antes do prato principal, temos uma curta-metragem para abrir o apetite. Chama-se Carl’s Date (2023) e é baseado no mundo de Up (2009), realizado por Bob Peterson.

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