Depois do sucesso de 2019 de El Hoyo (A Plataforma) da Netflix, eis que surge a esperada sequela. Esperada não significa necessária, mas tudo depende sempre da habilidade em expandir mundos criados originalmente. Habilidade essa que Galder Gaztelu-Urrutia, realizador de ambos os filmes e co-argumentista da sequela, revelou possuir em quantidade insuficiente. Sabemos que muitos interesses vivem nos bastidores destas decisões que forçam histórias a serem prolongadas até deixarem de ter êxito, fundamentalmente associados a dinheiro. No entanto, o primeiro exemplar em que nos foi dado a conhecer esta realidade distópica revelou potencial para estimular a criatividade. Faltou “só” usar a criatividade para fugir de uma fórmula que já não tinha o elemento surpresa a seu favor.
Perempuán (Milena Smita) acorda numa prisão com Zamiatin (Hovik Keuchkerian), sem possibilidade de escapar, recebendo uma plataforma repleta de comida, sendo que cada pessoa só pode comer o alimento que escolheram antes de ali estarem. Com andares povoados em cima e em baixo, quanto mais abaixo se estiver, o mais provável é que não se coma durante um mês. A cadeia alimentar é determinada consoante a generosidade das pessoas que moram nos andares de cima. Em situação limite, o estado de guerra é activado, existindo grupos extremistas que procuram estabelecer as suas regras a todo o custo.
Quando um título de um filme se repete e apenas acrescenta à frente o número “2”, logicamente presumimos que precisamos de conhecer o primeiro para perceber o segundo. Tal não se verifica neste caso, já que El Hoyo 2 (A Plataforma 2) é tão obcecado em explicar-se e tão curto no desenvolvimento da sua premissa, que mais parece um remake prematuro do que propriamente um seguimento da história, ou pelo menos de um aproveitamento do universo criado para plantar novas raízes. A única ligação real com o original resume-se à última cena desta sequela. Atendendo a tudo o que não evolui em novos 100 minutos no mesmo sítio, teria sido mais proveitoso usarem essa cena depois dos créditos finais do original, pois tudo o que antecede esse final não contribui com praticamente nada para enriquecer o enredo que impressionou milhões de pessoas.
“Somos prisioneiros de nós mesmos. E disso não há escapatória possível“, diz Trimagasi (Zorion Eguilior), personagem que é destaque na primeira produção e aparece brevemente nesta. A frase é um retrato da profundidade da psique humana, onde quanto mais navegamos mais encontramos nuances que refletem tanto a nossa complexidade como a nossa previsibilidade. O que me faz mover não é necessariamente o mesmo que faz mover quem esteja a ler esta crítica (olá Mãe!), mas se expuséssemos todas as razões numa vitrine, iríamos observar que é muito mais o que nos une que aquilo que nos separa, já dizia Carlos Tê e cantava Rui Veloso. Sobretudo quando se trata de sobrevivência, a nossa essência animal, o lado réptil do nosso cérebro entra em acção e tornamo-nos mais comuns que nunca. Aí ficamos reduzidos à vida ou morte, à decisão de morrer para defender os nossos princípios, ou sobreviver calcando-os para ganhar mais um dia.
Claro que tudo isto seria dispensável se todos pensassem tanto no próximo como pensam em si e fizessem valer a velha máxima que diz “não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”, que no fundo é uma das mensagens que já vem do filme anterior, e que, lá está, não aproveita o financiamento da continuação da premissa para ir mais além na forma como a transmite. A lição que se retira é que em mais de 300 andares com duas pessoas em cada, haverá sempre um ou mais (normalmente mais) egoístas, insensíveis, pouco inteligentes e detentores de zero empatia, localizados nos patamares mais privilegiados. Sim, é uma bonita mensagem de amor à humanidade, sem dúvida. Contudo, apesar da ironia, não é irrealista, infelizmente.
Visualmente usa dos mesmos, e bons, argumentos de El Hoyo, a degradação dos espaços habitados, os banquetes destruídos, as cores sujas, sendo tecnicamente eficaz no desconforto que nos faz sentir. Chega a lembrar a parte final de Mother (2017) de Darren Aronofsky. O elenco volta a ser dos pontos fortes do filme, com destaque para Milena Smitque que carrega o filme às costas. Hovik Keuchkerian, no tempo que tem ao seu dispor, partilha do mesmo brilho que a colega de “quarto”, contrastando com Perempuán com características entre o infantil, perturbado, egocêntrico, tendo ainda capacidade para ser o maior arco de personagem de toda a trama.
É notória a influência do franchise Saw (2004-2023) na ideologia destas duas longas-metragens espanholas – o gore é impiedoso e recorrente, os dilemas morais igualmente. Veremos se vai ter espaço de manobra para 10 filmes como Saw, e entre eles gastar energias num produto redundante como sucede em vários da saga americana e para já, em El Hoyo 2.