No cinema, é proferida habitualmente a frase – Baseado em factos verídicos – usada e abusada como sendo a verdade mas que nem sempre é a verdadeira história por detrás dos factos sobre a qual se apoia. Uma verdade ficcionada para suavizar os maus momentos e limar as, possíveis, arestas mais pontiagudas. Considerando o tema sobre o qual incide Eismayer o maior receio era mesmo esse, o de simplificar em demasia um tema complexo e tão actual na sociedade dos nossos dias – O que define a masculinidade?
Eismayer (Gerhard Liebmann) é o nome do homem sobre o qual a história se foca. O típico “alpha male”, o mais temido e respeitado sargento do exército, responsável pelo treino de todos os recrutas de uma companhia, mas que vive uma dupla vida como homossexual em absoluto segredo. Quando na recruta surge Mario (Luka Dimic), um homem abertamente gay, esta descoberta despoleta uma “reacção em cadeia” que vai alterar o futuro de ambos.
Mostrar o desabrochar desta relação no ambiente mais masculino possível, o exército, remete-nos para o passado desta instituição, em que era necessário projectar uma energia puramente masculina. Gerhard Leibman consegue, no seu Eismayer, o equilíbrio essencial entre o poder masculino, dentro do quartel, patente no seu olhar impenetrável e contido no ambiente de agressão constante criado e nos gritos lancinantes quando ignorado ou provocado, e a sua tristeza, fora do quartel, quando a “máscara” cai e busca o prazer em encontros diários na calada da noite. A tristeza domina o olhar no cansaço da mentira que vive mas que não consegue enfrentar. Em casa só há culpa e vergonha, não conseguindo olhar a mulher e o filho nos olhos. A própria progressão da personagem é o ponto mais forte da narrativa graças à interpretação de Gerhard Leibman. Está em constante mutação, como se impunha, mas nem tudo é perfeito. Certas situações passam os limites, como o aumento constante do nível de decibéis dos gritos de Charles, opções de diálogo que remetem para os clichês televisivos ou o engolir das restantes personagens perante a imposição da personagem titular. Há alguns momentos excepcionais como o confronto entre Charles e Christina, a sua mulher interpretada por Julia Koschitz, com uma contenção emocional a viver dos olhares trocados entre ambos. E por motivos bem diferentes uma conversa entre Charles e o seu filho Dominik (Lion Tatzber) por mostrar esperança de num futuro, que sonhamos próximo, uma relação homossexual seja um assunto normal do dia-a-dia para todos. Quem sofre mais com este desequilíbrio de atenção é Luka Dimic, a cara-metade de Charles, com pouco para fazer com a sua personagem unidimensional. Surge em momentos chave para despoletar a mudança em Charles mas mantem-se, ele próprio, sem qualquer evolução e imune ao que seria uma experiência transformadora – a recruta no exército. Além do romance e da vida militar, o filme deambula também pela camaradagem entre colegas, a reacção da sociedade à sua relação, a intimidade do casal, a relação com a família após a revelação e uma narrativa em que o seu chefe procura livrar-se do que considera um método de recruta ultrapassado. São tantas a “bolas na mão” no argumento de David Wagner que muitas acabam negligenciadas ou caiem para nunca mais surgir. Mais contenção e a opção por mostrar apenas a “viagem” de Eismayer, da escuridão da mentira para a luz da aceitação pessoal, e o resultado teria sido bem diferente. A própria temática do amor gay, tão carente de representação na realidade actual, acaba diminuída e perde relevância, quando deveria ser o único foco central.
Há uma linguagem cinematográfica bonita e uma inteligente utilização de luz natural, com alguns planos deveras interessantes, quando decide mostrar a realidade dentro de um quartel ou as movimentações da companhia fora de portas, durante o treinamento, mas pedia-se mais “sujidade “e sofrimento ao mostrar esse lado escondido. A pressa e o suavizar de demasiados momentos pesados, com o uso de humor, dá um travo de telenovela, que o filme não merece pelo que conseguiu construir na sua primeira metade.
No final das contas David Wagner, na sua primeira metragem em nome próprio, revela a sua veia cinematográfica mas acaba traído por um argumento ambicioso mas desequilibrado no manuseamento dos inúmeros fios narrativos. A relevância da representatividade, na realidade polarizante em que vivemos, é de assinalar e uma mais-valia para normalizar o amor em todas as suas vertentes.