Echo of You (2023)

de Francisca Tinoco

Em Echo of You, a cineasta dinamarquesa Zara Zerny aponta a câmara, o microfone, e as luzes para pessoas cujas vozes vão aos poucos perdendo a importância no discurso público, social, e criativo. O documentário, vencedor do Lince de Ouro de Documentário e do Prémio do Público no 20.º FEST – Festival Novos Realizadores | Novo Cinema de Espinho, centra nove idosos em entrevistas estilo Talking Heads, questionados pela realizadora sobre as suas relações passadas. Todos os protagonistas partilham o facto de, por uma razão ou outra (na sua maioria a morte), já não estarem com os seus companheiros de vida.

Ao longo de várias entrevistas, cada homem e mulher fala sobre como conheceu a pessoa com quem acabou por construir a sua vida, o que achou deles no início e como esses sentimentos evoluíram durante a relação, como decidiram casar-se e do que mais sentem falta.

Um conceito que poderia dar aso a um filme sentimental e paternalista é, pelo contrário, conduzido pela realizadora de forma equilibrada, demonstrando a cada momento um respeito revelador e transformador pelos sujeitos do seu filme. Apesar da idade avançada (a entrevistada mais velha tinha mais de 100 anos), Zerny dá liberdade total ao seu elenco para se expressar livremente, nunca evitando tópicos que poderiam ser tabu ou desconfortáveis noutro contexto, como sexo, interrupção voluntária da gravidez e infidelidade. O resultado são testemunhos incrivelmente humanos e surpreendentemente raros que põe em evidência não só a experiência de vida e sabedoria dos mais velhos, mas também o “crime” que é pô-los de parte e fazer deles um mero asterisco nas vidas aceleradas e progressivamente individualistas da população adulta.

Se, por um lado, Echo of You oferece perspectivas francas sobre o amor, é o luto que acaba por permear todos os quadros deste documentário – afinal, as duas emoções estão intrinsecamente conectadas. A morte torna-se, inevitavelmente, comum numa fase mais avançada da vida. Vive-se com ela, é-se ameaçado, a cada dia, por ela, e é-se forçado a aprender a lidar com a realidade de perder amigos, familiares, e entes queridos com uma frequência que em qualquer outra idade ou fase da vida teria traços vincados de tragédia. Para os mais velhos, todavia, “é a vida”. Zerny captura esta relação complicada com a morte com empatia e sensibilidade, mas sem rodeios ou embelezamentos. A certo ponto alguns entrevistados falam sobre o desconforto dos outros face ao seu luto, a dificuldade que os demais sentem em falar do tópico, quando tudo o que a pessoa enlutada precisa é desse apoio. Sendo a morte o facto mais inevitável e universal da vida, porque nos é tão difícil encará-la? Para os mais velhos, a morte, que se deveria tornar cada vez mais assustadora com a sua aproximação, perde, pelo contrário, a sua imponência, permitindo a estas nove pessoas falar dela com uma crueza desarmante e elucidativa. Zerny chega até a perguntar-lhes sobre a vida depois da morte, o além, e a espiritualidade, mas quando questionados sobre se um dia se reencontrarão com as pessoas que perderam, a maioria não mostra muita esperança.

No entanto, se há algo que a morte privilegia é a vida. O fim de algo tende a trazer clareza sobre a sua existência e a morte traz clareza sobre a vida. Zerny trabalha esta linha com destreza, saltando entre presente, passado, e futuro harmoniosamente. Para tal, para além das palavras dos protagonistas, a cineasta integra também no filme imagens, em movimento e estáticas, das suas vidas, projetando-as sobre as casas e as caras dos homens e mulheres, o que lhes confere um contorno onírico que se assemelha à qualidade que as memórias adquirem nas nossas mentes. Imagens pouco claras, passageiras e esbatidas, mas muito presentes e que nos definem. Apesar de nunca pretender ser moralista, conferindo aos vários testemunhos uma distância e tolerância admiráveis, há uma clara conclusão a que se chega ao ver Echo of You: a vida é melhor quando é partilhada.

Echo of You é um documentário simples e comedido que contém reflexões preciosas sobre os tópicos mais complexos que definem as nossas vidas. Sem floreados ou muletas sentimentais, Zara Zerny encerra, em pouco mais de 70 minutos, uma cápsula inestimável não só de nove vidas, como da vida em si.

4.5/5
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