Dune: Part Two (2024)

de Francisca Tinoco

O momento em que nos sentamos na sala de cinema prestes a ver Dune: Part Two é especial. Enquanto cinéfilos, crescemos a ouvir as histórias das gerações mais velhas sobre como foi experienciar as várias estreias de filmes que viriam a tornar-se grandes fenómenos culturais como Star Wars (1977), 2001: A Space Odyssey (1968), Alien (1979), Apocalypse Now (1979), Jaws (1975), ou Matrix (1999). Filmes que conseguiriam, simultaneamente, captar a imaginação coletiva e resistir à erosão do tempo, persistindo, décadas depois, como obras de referência, graças à sua inegável qualidade e escala. Fazendo uma apreciação talvez ainda precoce, atrevo-me a dizer que viver as adaptações de Dune de Denis Villeneuve em tempo real é saber que estamos a viver um capítulo da história do cinema que um dia terá uma importância similar à de todos aqueles títulos.

Enquanto dupla, nem a primeira parte, que estreou em 2021 em tempos de pandemia, nem Dune: Part Two podem ser considerados filmes completos. Para uns, esse facto pode ser impeditivo de aplicar, a qualquer um deles, uma avaliação máxima – afinal, não sobrevivem um sem o outro. Parece-me injusto, no entanto, descartar, dessa forma, todo o exímio trabalho de produção, realização e representação que este “package deal” nos oferece. Ainda que esta seja uma crítica ao filme de 2024, na minha consciência os dois existem como um gigante filme de mais de cinco horas. Concedo que, sozinhos, nenhum é 100 porcento perfeito, mas juntos (e mal posso esperar para poder vê-los de uma assentada só) perfazem o grande épico do século XXI.

Nesta sequela, Paul Atreides (Timothée Chalamet) continua a sua integração na vida e costumes dos Fremen, fugido do Imperador (Christopher Walken) e de Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård), enquanto batalha visões e vislumbres perturbadores de um futuro de guerra e devastação por ele liderado. Durante mais de duas horas e meia de filme, Villeneuve conduz uma minuciosa e extensa ópera de intriga política, profecias religiosas, misticismo, romance, e família. O mundo de Arrakis é expandido ao conhecermos melhor os Fremen, ao mesmo tempo que os planetas Kaitan (a casa do imperador Padishah Shaddam IV) e Giedi Prime (a casa dos Harkonnen) ganham destaque.

Poucas seriam as dúvidas sobre se Denis Villeneuve, um dos grandes mestres da ficção científica dos nossos tempos, teria o arcaboiço necessário para dar continuidade ao trabalho começado em Dune (2021). Ainda assim, a envergadura do que faltava adaptar do romance de Frank Herbert, até agora precedido por uma reputação enquanto obra impossível de transformar em cinema, não deixava de trazer alguma ansiedade. Perante tremendo potencial, iria Villeneuve escorregar e deixar-nos a todos com um desgosto amoroso cinemático? Era improvável, mas possível. Felizmente, não aconteceu.

Dune: Part Two é tão triunfante e apaixonante do ponto de vista narrativo e visual que é difícil evitar algum sentimentalismo ao discuti-lo. É a celebração total das potencialidades do cinema e da tecnologia atualmente disponível, elevado a um ar rarefeito por prestações belíssimas de todo o seu elenco. Assistir a Timothée Chalamet e Zendaya a partilhar o ecrã traz, por si só, também, aquele sentimento de estar a ver história a ser feita. São, possivelmente, as duas maiores estrelas do cinema da sua geração, ainda com uma carreira incrivelmente entusiasmante pela frente, e entregam, aqui, dois desempenhos soberbos que nos deixam agarrados à tela por razões tão diferentes. Chalamet, perante a tarefa quase impossível de interpretar um Messias religioso de forma convincente e desarmante, dá tudo de si, brilhando, no entanto, mais nas cenas que pedem excesso do que nas que pedem subtileza. Já a Chani de Zendaya traz o oposto. É uma mestre das expressões faciais e diz mais com os seus olhos, que têm tanto de doces como de insurretos, do que com as suas palavras.

A história, de tão densa, poderia ser o calcanhar de Aquiles de Villeneuve, mas é claro o domínio completo que o mesmo tem sobre as infinitas partes em movimento deste monumental universo de Herbert. Como um Game of Thrones (2011-2019) passado no ano 10 mil, em que os vermes da areia substituem os dragões, Dune fascina pela dimensão política e estratégica das alianças, sucessões, e sede de poder. Claro está que quem é fã dos livros irá sentir, invariavelmente, uma simplificação nesta adaptação cinemática, mas tal faz parte das especificidades do meio que, tal como o próprio Villeneuve defende, privilegia a imagem sobre as palavras. Mesmo que sem grandes momentos expositivos, o realizador e coargumentista, apresenta toda a informação de forma clara, confiando e exaltando o princípio fundamental do “show, don’t tell.

É também por isso que o aspeto que mais deixa a desejar no filme é o diálogo. Os temas carregados do fanatismo religioso, da inevitabilidade do nosso destino, da ocupação ilegal de terras alheias, e tantos mais, seriam, nas mãos de um cineasta mais confortável com esta arte, solo fértil para reflexões fascinantes. Em Dune: Part Two é tudo dito de uma forma simples, direta e literal, que não acrescenta muito à ação e a torna mais pobre por isso.

Os acontecimentos, espaçados no livro ao longo de alguns anos, acontecem em rápida sucessão no filme, conferindo um certo desequilíbrio entre o tempo que Villeneuve passa no set-up e aquele que destina à ebulição do conflito já na reta final. Com as visões futuras, as profecias, o clima de medo, e o nível de risco elevado, Villeneuve aumenta de tal forma as expectativas do espectador para o clímax, que acaba por tornar a sua tarefa de providenciar um final satisfatório desnecessariamente difícil. Na última hora de filme, são várias as cenas e sequências memoráveis, visualmente imponentes, e de uma tensão que se sente na pele, mas, mesmo assim, enquanto bloco narrativo não consegue cumprir totalmente as promessas feitas ao longo do filme de 2021 e de grande parte de Dune: Part Two.

No final, tal como o seu antecessor, Dune: Part Two sabe a pouco. Apesar de cada minuto do filme ser apaixonante, eximiamente filmado, executado, montado, e musicado, ficamos com sede de mais. E talvez seja mesmo essa a intenção de Denis Villeneuve. Não é fácil conter esta história em filmes absolutos, uma vez que a sua magnitude e alcance transbordam os limites do meio. Tal como Dune, Dune: Part Two é, de certa forma, incompleto, mas aqui estaremos, ansiosamente esperando por Dune Messiah.

4.5/5
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