Disclaimer – Minissérie (2024)

de Sofia Alexandra Gomes

Uma renomada e respeitada jornalista, Catherine Ravenscroft (Cate Blanchett), construiu a sua carreira e reputação ao revelar os erros e as transgressões de prestigiadas instituições… Até que um livro de autor desconhecido, intitulado “The Perfect Stranger”, vai parar às suas mãos, ameaçando expor um segredo que Catherine achava ser só seu.

“The Perfect Stranger” revela-se rapidamente uma obra sobre Catherine, sobre um acontecimento passado da sua vida. Assim, a narrativa transita entre revisitar o passado, descrito ao detalhe no infame livro, e acompanhar o presente, na senda para descobrir quem é exatamente Stephen Brigstocke (Kevin Kline), o homem que lhe enviou o livro, o que é que ele pretende com esta vingança e como é que está implicado na história. Com efeito, a série procede a deslindar este enigma: de que modo é que este (aparente) estranho está relacionado com a protagonista?

Disclaimer, baseada na obra de nome homónimo de Renée Knight, apresenta-se aos ecrãs como um thriller psicológico por excelência. O suspense e a carga emocional que suscita no espectador, eximiamente conduzidos por um pacing que lhe faz jus, – um ritmo introspetivo na medida certa – não deixam ninguém indiferente. Muito pelo contrário: é praticamente impossível tirar os olhos do ecrã. É a série perfeita para binge-watching. Não nos possíveis sentidos depreciativos e pejorativos que a palavra possa ter, mas sim pelo facto de constituir uma espécie de filme de (quase) sete horas. Um filme denso de (quase) sete horas.

Cate Blanchett prova, mais uma vez, a sua qualidade enquanto atriz. A inquietação que imprime à sua performance, absolutamente essencial para a interpretação enquanto Catherine, é vivamente ímpar. Essa inquietação aliada a uma certa abnegação, igualmente exigida pelo papel em questão, é equilibrada de uma forma única, nomeadamente difícil, há que o dizer.

Sacha Baron Cohen como Robert Ravenscroft, marido da jornalista, e Kevin Kline na pele de Stephen Brigstocke também não ficam nada atrás, e até mesmo Leila George D’Onofrio, que representa a jovem Catherine no passado, e Kodi Smit-McPhee como Nicholas Ravenscroft, o seu filho.  A vingança de Stephen é verdadeiramente plutónica, pela sua impetuosidade, e o ciúme que surge por parte de Robert, proveniente de toda a situação, é exatamente “venusiano”: inseguro, egóico e conflituoso. Já a atuação de Leila marca-nos sobretudo pelo olhar misterioso e concomitantemente explícito, que parece estar sempre prestes a engendrar algo, e Smit-McPhee pela sua expressão tolhida repleta de vulnerabilidade e insegurança.

A analepse prima pela força das cores quentes que contrastam os tons da narração atual que são essencialmente frios, maioritariamente frios. Esta divergência configura praticamente uma dicotomia cujo resultado é brilhante e só nos prende mais ao enredo. A praia, cenário-chave desse flashback, opõem-se à casa, ao enorme “lar Ravenscroft” que dita pelo sombrio. Entre os dois paira um nevoeiro, que oferece a quem assiste duas opções: ou esperamos que passe ou arriscamos avançar, com ou sem cautela, com ou sem atenção ao meio ambiente envolvente.

Disclaimer é um teste sagaz ao nosso potencial dogmatismo, tendência inatamente humana que aguarda pacientemente até que lhe seja dada alimento para se revelar. Melhor: Disclaimer é uma prova imperdoável de ceticismo, que avalia até que ponto estamos dispostos a praticar a dúvida, a questionar, ao mesmo tempo que de certo modo prescreve o nosso carácter sem que nos apercebamos disso.

Memória, verdade e culpa é o que ressoa da série do realizador mexicano, Alfonso Cuarón, e ressoa bem alto. Este eco é, aliás, bem característico do cinema latino-americano e aqui atinge uma expressão máxima pelo dramatismo e intimidade vincada das suas personagens e cenas, cuja meticulosidade imagética impressiona – trabalho bastante meritório, particularmente, de Emmanuel Lubezki e Bruno Delbonnel.

A banda sonora da série, de Finneas O’Connell, só engrandece ainda mais a narrativa, conferindo-lhe mistério, fundamentalmente, mas também comoção, ação e teatralidade – sendo de descartar, novamente, existentes conceções pejorativas de significado da última palavra.

Disclaimer é, no fundo, um “truque malabarístico” nada leviano no seu executar, precisamente o inverso a propósito: é malabarismo de destreza, de habilidade, de precisão no jogo que faz, neste caso, com a história, com as cenas, que são alavancadas engenhosamente pelos atores. O plot twist é o objeto deste malabarismo que nos acerta derradeiramente e sem aviso prévio, pois ainda que suspeitássemos que algo não estava certo nunca adivinharíamos tal final. Nunca adivinharíamos que o seu desfecho viesse a propiciar também uma reflexão acerca de como o patriarcado estabelecido nos afeta diariamente, especialmente nas perceções que os outros têm – na verdade, constroem – de nós.

4.5/5
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