Des Teufels Bad (2024)

de Diogo Carriço

Após uma tentativa de explorar o público mundial ao produzir um filme em inglês com The Lodge (2020), e de este ter fracassado em encontrar a sua audiência, Severin Fiala e Veronika Franz voltam à sua língua e terra natal e trazem-nos um estudo de personagem arrepiante e uma examinação da sociedade e da saúde mental na Europa durante o Iluminismo.

Baseado em pesquisas históricas por Kathy Stuart sobre o fenómeno “suicídio por procuração” na Alemanha moderna, Des Teufels Bad (The Devil’s Bath / O Banho do Diabo), passado no século XVIII na Áustria, segue Agnes (Anja Plaschg), uma mulher prestes a entrar numa nova fase da sua vida após se casar. Juntamente com o seu marido Wolf (David Scheid) começam uma vida caseira, mas Agnes, apesar de fazer o seu melhor para agradar o seu marido e a sua sogra, e cumprir o seu papel na comunidade, mostra dificuldades em adaptar-se a este tipo de vida. Enquanto a sua comunidade parece exclui-la e Wolf se “recusa” a cumprir os seus deveres conjugais, entre outros problemas causados por elementos externos que enfraquecem a relação entre os dois, Agnes cai num ciclo de desespero que a leva à autodestruição e a virar-se contra o mundo à sua volta.

Em Des Teufels Bad, quinta longa-metragem da dupla Fiala e Franz, vemos uma retoma ao tema tão presente nos seus trabalhos anteriores, como o mencionado The Lodge (2020) ou até Ich Seh, Ich Seh (Goodnight Mommy [2015]): a solidão, o isolamento. Desta vez somos levados para o século XVIII, onde para além de estarmos isolados da sociedade, estamos isolados da contemporaneidade que nos podia levar mais facilmente a relacionarmo-nos com o filme e com as suas personagens. O que nos prende, para além da personagem principal, é a brutalidade com que os hábitos e costumes da Áustria nesta época são retratados. Hábitos esses violentos e ritualísticos, como a matança do gado, as execuções públicas e a exibição e desmembramento dos corpos após as mesmas. A qualquer momento é incerto para onde a narrativa nos está a levar, desde a sequência inicial do filme, o único guia é a mente de Agnes e mesmo esta é tão imprevisível quanto o resto.

O título parece referenciar o macabro e o oculto mas, de facto, “The Devil’s Bath” era o termo utilizado para se referir à depressão, pois quando uma pessoa experienciava alguma forma de melancolia, estava presa “no banho do diabo”, uma forma de proximidade com o inferno. Durante todo o filme vemos Agnes a sucumbir à loucura, à tristeza e à angústia intrinsecamente relacionada ao que o título sugere, para finalmente percebermos que era uma realidade bastante presente na Europa na época retratada.

Apesar de algumas questões levantadas ficarem a cargo da descoberta do espectador, Des Teufels Bad explora de maneira aterrorizante a saúde mental, a depressão e o suicídio by proxy, mostrando o caminho que uma pessoa, maioritariamente do sexo feminino, levava para acabar com a própria vida. Como o suicídio era – e ainda é – considerado pecado pela igreja, as pessoas tinham receio de morrerem condenadas ao inferno, por isso tomavam a difícil decisão de cometer crimes (mesmo que mais violentos e graves, como o homicídio) que teriam propositadamente como consequência a pena de morte, para pelo menos terem direito à confissão antes de serem executadas e de serem enterradas condignamente.

Tecnicamente, destaque para a correção de cor que evolui com a narrativa e a personagem principal, assim como os próprios planos utilizados que vão ficando cada vez mais sombrios para retratar o isolamento de Agnes e o seu deteriorante estado mental. Os planos longos e arrastados forçam-nos a conviver com a protagonista até entrarmos na sua cabeça. Nos planos exteriores, que são vistos na maior parte do filme, a câmara quase que assume uma personalidade voyeurista que intensifica o sentimento de desconforto e a atmosfera sombria. Mas o grande destaque do filme, sem querer desvalorizar todo o mérito que nele há, é sem dúvida a atuação de Anja Plaschg que mostra com subtileza cada emoção de Agnes, tornando momentos por vezes monótonos da narrativa em espaços para explorar a sua performance, conseguindo também controlar de forma exímia as partes mais maníacas da sua personagem quando esta evolui para tal.

Des Teufels Bad encontra-se no subgénero de terror psicológico e não é um filme para um público muito grande devido à complexidade dos temas retratados. É bem executado, com especial louvor à atuação principal, fotografia e realização, e é uma ótima exploração de saúde mental e do que as pessoas que se sentiam isoladas e excluídas da comunidade à sua volta tinham de fazer para não morrerem condenados à eternidade de sofrimento que a igreja prometia.

4/5
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