Den Skyldige (em portugal, O Culpado), thriller dinamarquês realizado por Gustav Möller, mostra-nos uma das muitas noites de trabalho de Asger Holm (Jakob Cedergren), operador de chamadas de emergência e ex-polícia, naquele que parece, inicialmente, mais um dia típico para quem já talvez se familiarizou ou teve de se familiarizar (possibilidade mais plausível) com o ritmo incessante e ansioso que é vivido certamente por todos os operadores do número 112. Contudo, poderá a familiarização com este ambiente levar à normalização, à banalização da aflição e da urgência? O protagonista mostra-nos precisamente que sim, mas por oposição.
Asger, de carácter impulsivo e tenaz, ao contrário dos seus colegas de profissão, não consegue ficar imune aos pedidos de ajuda que diariamente lhe chegam. Nem mesmo a força do hábito o conseguiu domar para que permaneça um tanto estático e de certo modo imparcial aquando ouve, do outro lado da linha, alguém pedir socorro. A sua experiência profissional prévia como polícia fá-lo aplicar o conhecimento que tem do terreno ao seu atual emprego, mas há uma diferença colossal: enquanto agente teve acesso in loco aos locais de crime e agora com esse acesso negado por ter cometido, ele mesmo, uma infração, vai desembocar em erros crassos… Aí, nem mesmo o seu sentido humanitário conseguirá anular ou até mesmo apenas colmatar as consequências desses equívocos. Den Skyldige apresenta-nos os ensinamentos do provérbio “nem tudo o que parece é” eminentemente, sem que no começo nos apercebamos disso.
A narrativa brilha principalmente na transmissão ao espectador dos sentimentos de nervosismo, inquietação, frustração, raiva, enfim, de bastante tensão, que perpassam Asger múltiplas vezes durante o atendimento das chamadas, e o pacing acompanha este desvendamento sublimemente. Além disso, estas emoções são ilustradas de forma distinta nos inúmeros planos fechados da personagem a apertar os dedos, a franzir a testa, a hesitar nas respostas aos contactos telefónicos, entre outras gesticulações. Aliás, neste contexto ninguém passa incólume à prestação de Jakob Cedergren que dá o “corpo às balas” para ajudar Iben Østergård (Jessica Dinnage), uma mulher que indica ter sido raptada, mas cuja história tem muito mais por revelar.
Vencedor do Prémio do Público no Festival Cinema Sundance em 2018, Den Skyldige – posteriormente alvo de um remake americano, The Guilty, em 2021, protagonizado por Jake Gyllenhaal – é visivelmente meritório na exposição que faz das vivências de Asger, mais concretamente das vivências da personagem no exercício das suas funções: o filme revela de forma notória que a exaustão psíquica e física implicada por este trabalho é gritante, literalmente gritante, levando, com efeito, ao desgaste de quem não está disposto a abdicar da empatia e sensibilidade que tem pelo próximo, como é o exemplo do ex-polícia dinamarquês.
Todavia, embora a película seja bem-sucedida pelo seu suspense, pelas sensações de incómodo e claustrofobia incessantes que propicia implacavelmente a quem assiste, que espera nomeadamente que Iben saía ilesa do suposto rapto, não se pode dizer que o plotwist assume verdadeiramente as características de um: encontramo-nos mais na presença de um pseudo-plotwist, na medida em que ainda que nos faça estremecer, não chega ao ponto de constituir um choque surpreendente. O mistério em que o crime está envolto é rapidamente desnodado o que, infelizmente, retira impacto à potencial pujança que Den Skyldige poderia ter num todo: quando ouvimos a derradeira confidência, já estamos avisados pela expressividade de Asger.
Em suma, Den Skyldige cola qualquer um ao ecrã, pois apesar do seu plotwist que fica apenas pela tentativa, o filme é deveras surpreendente especialmente pela performance de Jakob Cedergren que eleva substancialmente a qualidade do enredo.